CORPO MEU - Marcus Gerhard
CORPO MEU
Marcus Gerhard
Ilustrações: esculturas de Aleksandr Matveev
Que eu perca as mãos com que toco e construo,
e os braços que abraçam, num gesto que foi.
Que eu perca as pernas que um dia me instruo
a levar-me ao longe, e o que fica depois?
Ainda sou.
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"Que eu perca os olhos, janelas do engano, e a face que julgam ser meu parecer. Que se desfaça neste corpo profano o cabelo, a forma, o que o tempo tecer. Ainda a viver.”
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Mas se me falta o ar, este sopro invisível
que em mim se respira e me faz respirar;
se o sol me negares, dourado e terrível,
em que abismo de sombra hei de então definhar?
Eu morro.
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"Se a terra me foge, chão-mãe que me aterra ou a água, espelho da sede imortal; se a planta e o bicho, o que o húmus encerra, se ausentam de mim, num silêncio final? Eu morro..”
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Mais minhas são estas forças primeiras
— o sol, este chão, esta brisa, este ser —
que a carne que visto, de tantas maneiras
tão menos em mim que o poder de chover.
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"Qual é, então, o corpo que eu digo que é meu? Este, que se esvai e que posso perder, ou este outro, imenso, que nunca me esqueceu, e de que sou parte, sem o pertencer?”
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Marcus Gerhard é poeta e tenor