Amigos de infância

Tradução de um poema de Rumi, a partir da versão em inglês de Coleman Barks.
AMIGOS DE INFÂNCIA
Você pode ter ouvido que é costume entre reis
deixar os guerreiros à sua esquerda, o lado do coração
e da coragem. À direita, eles botam o chanceler,
e vários secretários, porque a prática
da contabilidade e da escrita normalmente pertence
à mão direita. No centro,
os sufis,
porque em meditação eles se tornam espelhos.
O rei pode olhar para suas faces
e ver seu estado original.
Dê, às pessoas belas, espelhos,
e deixe que se apaixonem por si mesmas.
Assim, elas vão polir suas almas
e acender a lembrança nos outros.
Um amigo próximo de infância certa vez veio ver José.
Eles haviam compartilhado os segredos que as crianças contam
quando estão deitadas em seus travesseiros à noite
antes de dormir. Esses dois
eram completamente sinceros
um com o outro.
O amigo perguntou: “Como foi quando você se deu conta
de que seus irmãos estavam com ciúmes e do que eles planejavam fazer?”
“Eu me senti como um leão com uma corrente no pescoço.
Não diminuído pela corrente, nem reclamando,
mas só aguardando o meu poder ser reconhecido.”
“E lá no fundo do poço, e na prisão?
Como foi?”
“Como a lua quando está minguando,
mas sabe que sua fase cheia virá.
Como uma minúscula pérola no moedor para virar remédio,
que sabe que agora vai ser a luz em um olho humano.
Como uma semente de trigo que se abre no solo,
e então cresce, depois é colhida, e esmagada no moínho
virando farinha, depois assada, e esmagada de novo entre dentes
para se tornar o entendimento mais profundo de uma pessoa.
Perdido de amor, como as canções que os agricultores cantam
na noite que se segue à da semeadura.”
Não há um fim para nada disso.
Voltemos para o que o bom homem e José conversaram.
“Ah, meu amigo, o que foi que
você me trouxe? Você sabe que um viajante não deve
chegar de mãos vazias à porta de um amigo como eu.
Seria como ir a um moinho sem o seu trigo.
Deus vai perguntar na ressurreição: “Você Me trouxe
algum presente? Você se esqueceu? Achou
que não Me veria?”
José seguia brincando.
“Vamos lá, eu quero meu presente!”
O convidado começou, “Você não pode imaginar o quanto eu procurei
por algo para você. Nada parecia apropriado.
Não se leva ouro para uma mina de ouro,
nem uma gota d’água para o Mar de Oman!
Tudo o que eu pensava era como trazer semente de cominho
para Kirmanshah, de onde o cominho vem.
Você tem todas as sementes em seu celeiro. Você tem até mesmo meu amor
e minha alma, então também não podia trazer esses dois.
Eu te trouxe um espelho. Olhe para si mesmo,
e lembre-se de mim.”
Ele tirou o espelho de dentro da túnica,
onde estava escondido.
O que é o espelho do ser?
Não-ser. Sempre leve um espelho de não-existência
como presente. Qualquer outro presente é uma tolice.
Deixe que o homem pobre olhe profundamente para a generosidade.
Deixe que o pão veja um homem faminto.
Deixe que o graveto seja aceso por uma faísca de pedra.
Um espelho vazio e os seus piores hábitos destrutivos,
quando postos um de frente para o outro,
é aí que o verdadeiro trabalho começa.
É isso que a arte e os ofícios são.
Um alfaiate precisa de uma roupa rasgada para praticar sua expertise.
Os troncos das árvores precisam ser cortados, e cortados novamente,
para serem usados na carpintaria fina.
Seu médico precisa de uma perna quebrada para curar.
Seus defeitos são as formas como a glória se manifesta.
Quem quer que veja claramente o que está doente em si mesmo
começa a galopar no caminho.
Não há nada pior
do que achar que você já está bem o suficiente.
Mais do que qualquer coisa, a autocomplacência
impede o trabalho do acabamento.
Bote sua maldade diante de um espelho e chore.
Faça com que essa autossatisfação saia de você!
Satã pensou, “Eu sou melhor do que Adão”,
e esse melhor do que ainda é forte em nós.
Seu pequeno riacho pode parecer limpo,
mas o fundo está cheio de matéria depositada.
Seu professor pode cavar uma canaleta
que vai drenar o lixo para fora.
Confie sua ferida à cirurgia de um professor.
As moscas se aglutinam em uma ferida. Elas a tampam,
as moscas dos seus sentimentos de autoproteção,
do seu amor pelo que você acha que é seu.
Deixe que um professor afaste essas moscas,
lave sua ferida e bote um curativo nela.
Não vire a cabeça. Continue olhando para
o lugar do curativo. É por aí que a luz entra em você.
E não acredite por um só momento
que está curando a si mesmo.