Ajoelhados pela nossa Independência

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Ajoelhados

...pela nossa Independência

Texto de Luiz Carlos Prestes Filho

Dois “suicídios” muito parecidos devem ser lembrados durante a comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil.

Vejam as circunstâncias das mortes dos revolucionários Claudio Manoel da Costa e Vladimir Herzog. O primeiro suicidado em 1789, o segundo, em 1975.

Claudio Manoel da Costa

Existem relatos de que o inconfidente Cláudio Manuel da Costa se suicidou porque estava deprimido na véspera da sua morte. Afirmam que o interrogatório, que consta nos Autos da Devassa, comprova essa versão. O padre, a quem ele na ocasião se confessou, teria confirmando seu estado depressivo.

Existem relatos oficiais de que o comunista Vladimir Herzog se suicidou porque tinha problemas psicológicos. Algo que, curiosamente, nenhum parente ou amigo tinha ouvido falar. O jornalista se apresentou voluntariamente para ser interrogado. Os problemas psicológicos vieram de dentro das dependências do II Exército

O laudo pericial de Claudio Manoel da Costa concluiu pelo suicídio. O advogado e poeta teria se enforcado usando os cadarços do calção, amarrados numa prateleira, contra a qual ele teria apertado o laço, forçando com um braço e um joelho. Muitos peritos acreditam ser impossível alguém conseguir se enforcar em tais circunstâncias.

Vladimir Herzog

O laudo pericial de Vladimir Herzog diz que o jornalista foi encontrado morto, enforcado com uma tira de pano e portando um pedaço de papel rasgado, no qual teria descrito sua participação no partido comunista. O inquérito militar apresentou o relatório criminalístico, que concluía que o cenário em que fora encontrado o cadáver referia-se a um quadro típico de suicídio por enforcamento. A posição dos médicos legitimava a versão divulgada à época, ao declararem que por meio do exame não evidenciou a presença de lesões mortais de qualquer natureza, capazes de qualificar a morte de violenta ou natural patológica, que não a de asfixia por enforcamento, realizado ainda em vida.

Na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto existe a anotação da admissão de Cláudio Manuel da Costa. À margem a observação de que havia "sufragado com 30 missas" a alma do falecido e "pago tudo pela fazenda real". De igual forma procedera a Irmandade de Santo Antônio, que lançou em seu livro: "falecido em julho de 1789”. Importante lembrar que havia à época uma severa proibição de missas pelos suicidas. Existe a versão de que foi o próprio governador, Visconde de Barbacena, que esteve envolvido na conspiração, que decidiu “suicidar” Cláudio Manoel da Costa. Porque tinha medo que no interrogatório a verdade viesse à tona.

Existe uma fotografia que causou controvérsia sobre as circunstâncias do suicídio de Vladimir Herzog. Na imagem o comunista aparece pendurado por um pedaço de pano na janela da cela em que estava e de os joelhos no chão. Como seria possível? Levantava-se a hipótese de que o jornalista poderia ter sido colocado naquela posição depois de morto, o que foi recorrentemente levantado como suspeita por várias camadas da sociedade. Os médicos legistas defendiam a versão de que não se evidenciou a presença de lesões mortais de qualquer natureza, capazes de qualificar a morte de violenta ou natural patológica, que não a de asfixia por enforcamento, realizado ainda em vida.

Em setembro de 2014, a equipe de peritos da Comissão da Verdade concluiu lado pericial indireto acerca da morte de Vladimir Herzog. Os peritos identificaram a existência de dois sulcos, ambos com reações vitais, no pescoço. Um deles é típico de estrangulamento, enquanto o outro era característico em locais de enforcamento (ou locais preparados para simular enforcamento). A evidência de duas marcas distintas na região cervical foi determinante para os peritos criminais afirmarem que:

“Vladimir Herzog foi inicialmente estrangulado, provavelmente com a cinta citada pelo perito criminal, e, em ato contínuo, foi montado um sistema de forca, onde uma das extremidades foi fixada a grade metálica de proteção da janela e, a outra, envolvida ao redor do pescoço de Vladimir Herzog, por meio de uma laçada móvel. Após, o corpo foi colocado em suspensão incompleta de forma a simular um enforcamento.”

Na época da morte de Claudio Manoel da Costa não existia a fotografia. Por tanto, o poeta não teve um registro de imagem de seu estado, quando abriram a porta do cárcere onde se encontrava. Mas os contemporâneos anotaram o seguinte. “Aberta a porta, uma cena lúgubre se apresentou aos olhos dos ministros e de sua comitiva. Um cadáver pendia de uma espécie de armário que não pudera ser removido daquele segredo. Era o dr. Cláudio Manuel da Costa! Lavrou a justiça com as formalidades do es­tilo o auto do corpo de delito e exame, e mandou sepultar o cadáver, sem as formalidades religiosas e em chão profano. Motivou a notícia deste acontecimento mil boatos, e ninguém ­acreditou que a morte do ilustre poeta fosse voluntária. Até aqui também a história sem os documentos oficiais, parando ante o cadáver do dr. Cláudio Manuel da Costa, encontrado em seu cárcere pendente de um baraço, hesitava entre a ideia de um suicídio ou de uma premeditação criminosa dos ministros do governo colonial."

"Sabe-se hoje, segundo as peças do longo processo, que espontânea fora sua morte. Ah! e que longa agonia não sofreu ele, como indicava a posição de seu cadáver, tendo uma liga por baraço, pendente de um armário, com um dos joelhos firmado sobre uma das prateleiras e o braço direito forcejando debaixo para cima contra a tábua na qual prendera o baraço, como procurando estreitar o fatal laço que zombara da gravidade de seu corpo, já tão debilitado pelos anos e trabalhos!”

Por tanto, temos que lembrar desses dois revolucionários brasileiros que lutaram pela nossa independência política, econômica e social nos 200 anos da Independência do Brasil. Os dois morreram antes de serem enforcados. Enforcado foi Joaquim José da Silva Xavier – Tiradentes.

Luiz Carlos Prestes Filho é diretor e roteirista de filmes documentários para Televisão e Cinema, formado pelo Instituto Estatal de cinema da União Soviética, hoje Rússia.

Fontes:

- Comissão da Verdade, Volume III, Mortos e Desaparecidos Políticos, 2014

- "História da Conjuração Mineira" (1860), no capítulo XVII, Joaquim Norberto de Souza e Silva, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1860