O Preço da Demora

O Preço da Demora

O Preço da Demora: Do Atraso na Abolição à Não Regulamentação dos Jogos.

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Ana Paula Gatti

Exclusivo Catetear Notícias

O feriado do Dia da Consciência Negra é um portal para a reflexão sobre inclusão e exclusão. E, como advogada e profissional do setor de apostas, vejo um paralelo histórico que não pode ser ignorado. O Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão. Hoje, assistimos o país repetir um erro de atraso, sendo um dos últimos a regulamentar TODAS as modalidades de jogos. Essa demora legislativa, assim como o passado, é uma forma de exclusão que impacta a economia e a sociedade.

"A capoeira, esporte/arte tão tradicional para o povo negro e hoje Patrimônio Imaterial da Humanidade, já foi criminalizada. Essa trajetória ecoa a do tradicional e cultural jogo do bicho, que, até hoje, carece de regulamentação. O que esses exemplos têm em comum? A exclusão histórica. É justamente a partir desse ponto que o Dia da Consciência Negra me impulsiona a buscar ferramentas de inclusão — e, para isso, sou transportada para o fascinante universo histórico das loterias.

ANNO 1887 - Extração Para Auxilio do Fundo da Emancipação de Índios e Negros 5$000 (cinco mil réis)  - Thesoureiro Saturnino Ferreira da Veiga - Acervo: LenA.D

Recordo a felicidade ao constatar, no artigo ‘A Loteria do Ipiranga e os trabalhadores: um sonho de liberdade no final do século XIX’, que a loteria que financiou a construção do Museu do Ipiranga foi muito mais do que um instrumento de infraestrutura: foi um portal de inclusão social. Em uma extração de 1881 em Pelotas (RS) teve 8 ganhadores: 4 brancos e 4 afrodescendentes (4 homens e 4 mulheres), incluindo o filho de um liberto, uma liberta e duas escravizadas, que utilizaram o prêmio para financiar sua própria liberdade.

Homens posam diante do edifício, ainda em construção

O Museu do Ipiranga - dinheiro das loterias, 1895

"Ainda mais marcante é o registro da constituição da Sociedade União Lotérica Cadeira de Ouro, fundada em 1871 no Rio de Janeiro. Seus membros incluíam pessoas escravizadas que se cotizavam para a compra de bilhetes, com um objetivo claro e comovente: utilizar os eventuais prêmios para adquirir a liberdade dos sócios. Uma verdadeira aposta na liberdade.

A historiadora Beatriz Ana Loner , autora do artigo citado,nos ensina: a loteria é historicamente democrática, diversa, inclusiva e, acima de tudo, associativa. Que o Dia da Consciência Negra nos impulsione a seguir APOSTANDO NA IGUALDADE. Que a resiliência daqueles que apostaram tudo pela liberdade sirva de exemplo para: 1. Os municípios que buscam autonomia para suas loterias; 2. Os Estados e a União, que devem reconhecer a cooperação e o espírito associativo no Artigo 241 da Constituição Cidadã de 1988; e, crucialmente, 3. Todo o movimento em prol de um marco regulatório forte, justo e capaz de abarcar TODAS as modalidades de jogos sem exclusão. A inclusão histórica do setor de apostas deve ser a regra, nunca a exceção.

Ana Paula Gatti é advogada e militante do movimento negro