Os 100 Anos da Coluna Prestes em Uberlândia
André Fabiano Voigt e Luiz Carlos Prestes Filho

André Fabiano Voigt
Exclusivo Catetear Notícias
Fotografias Letícia França - Jornalismo ADUFU
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Celebrar o centenário da Coluna Prestes em Uberlândia acabou se tornando, para mim, uma experiência que ultrapassou qualquer previsão inicial. Não era apenas uma atividade acadêmica, nem tampouco um evento protocolar. O que se formou ali foi um território de memória viva, onde história, arte, movimentos sociais e afeto caminharam lado a lado — e isso só foi possível porque houve quem acreditasse, quem apoiasse e quem dispusesse seu tempo de maneira voluntária.
Estudantes e professores compareceram a ADUFU para ouvir o ciclo de canções "Lendas Coluna Prestes"
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"A ADUFU – Seção Sindical, sob a presidência da Profa. Dra. Jorgetânia da Silva Ferreira, o Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia (INHIS), sob direção do Prof. Dr. Gustavo de Souza Oliveira, tiveram papel central nisso tudo. Ambos compreenderam a importância do centenário não como ato saudosista, mas como oportunidade de reencontro com um capítulo decisivo da história brasileira. Sem o apoio deles, a programação simplesmente não teria acontecido. Do mesmo modo, a idealização da vinda de Luiz Carlos Prestes Filho não teria sido possível sem a presença de Daniele Reiter Chedid, doutora em História pela UFGD e atuante na área de produção cultural em Santa Helena, no Paraná.” |

(Esq. para dir.) Prof. Dr. Gustavo de Souza Oliveira, diretor do Instituto de História (UFU); Dra. Daniele Reiter Chedid, Rádio Comunitária FM de Santa Helena/PR; André Fabiano Voigt; Profa. Dra. Jorgetânia da Silva Ferreira, presidenta da ADUFU - seção sindical; Luiz Carlos Prestes Filho.
Mas o que realmente deu corpo ao evento foi o encontro — meu e de Luiz Carlos Prestes Filho — em condições de igualdade, construindo algo juntos. Dividimos não apenas conversas e ideias, mas também o palco. No sindicato docente, apresentamos em pé de igualdade as canções do ciclo Lendas – Coluna Prestes: ele trazendo sua voz, suas narrativas e sua história; eu trazendo meu violão, minhas harmonias, e o desejo sincero de contribuir com o que sei fazer.

Luiz Carlos Prestes Filho e Ramon Rodrigues
A mesma partilha se repetiu no Congado Moçambique de Belém, liderado por Ramon Rodrigues, que visitamos com o apoio do vereador Igino Marcos da Mata de Oliveira. Este foi um dos momentos mais simbólicos da passagem de Luiz Carlos por Uberlândia. Ali, entre tambores, fitas, ancestralidade negra e fé popular, a história da Coluna Prestes encontrou um terreno inesperado, mas absolutamente coerente com o espírito da marcha: o encontro com o povo.
Luiz Carlos Prestes Filho com estudantes e professores da Universidade Federal de Uberlândia
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"O evento dos 100 anos da Coluna Prestes, ocorrido no dia 05 de agosto deste ano na Universidade Federal de Uberlândia, foi igualmente positivo e surpreendente. Além da troca gentil com a comunidade universitária, houve a presença da professora Patrícia de Oliveira Portela que entregou a Prestes Filho, no ato público realizado na universidade, o original de sua tese do programa de Pós-graduação em Geografia - PPGEO do Instituto de Geografia da UFU: "Nação, nacionalismo e território a partir da Coluna Prestes: uma construção epistemológica geográfica crítica”. Mais uma tese escrita sobre o tema circulando no meio acadêmico, cumprindo com o importante papel de continuidade da Coluna Prestes na memória e história brasileiras.” |
Estudantes e professores comparaceram a palestra de Luiz Carlos Prestes Filho na UFU
É importante dizer isto claramente: ao longo de toda a presença de Luiz Carlos Prestes Filho em Uberlândia, tudo foi voluntário. Nem ele nem eu estivemos amparados por leis de incentivo do setor público. Fizemos porque acreditamos. E talvez por isso tenha sido tão verdadeiro. Uberlândia não entra na história da Coluna Prestes por acaso. A cidade faz parte do espaço histórico que circundou a terceira entrada da marcha em Minas Gerais, liderada pelo destacamento de Antônio Siqueira Campos em fevereiro de 1927, quando Paracatu foi tomada após a Coluna avançar pelas estradas que conectam o Norte de Minas ao Triângulo.
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"As passagens mineiras da Coluna são decisivas — e muitas vezes desconhecidas: Primeira entrada: 2 a 7 de setembro de 1925, ao atravessar o rio Cariranha, vindo da Bahia (de acordo com Moreira Lima). Segunda entrada: fevereiro de 1926, quando a Coluna acampa às margens do rio Pardo e executa a manobra que ficaria conhecida como Laço Húngaro, também conforme Moreira Lima. Terceira entrada: fevereiro de 1927, com o avanço de Siqueira Campos rumo ao Triângulo Mineiro.” |
A região norte-mineira assistiu a uma das ações militares mais ousadas da história brasileira: o Laço Húngaro. Pressionada por tropas por todos os lados, com armas em mau estado, munição escassa e cavalos cansados, a Coluna realizou uma virada estratégica que confundiu completamente as forças perseguidoras. Marcharam paralelamente ao inimigo, mas em sentido inverso, escapando do cerco por pura inteligência de terreno e audácia política — como relataria o próprio Prestes mais de sessenta anos depois ao jornalista Fernando Benedito Junior.

O LAÇO HÚNGARO manobra militar da Coluna Prestes realizada em Minas Gerais
Essa manobra foi decisiva para permitir que os revolucionários seguissem caminho até a Bolívia, encerrando a marcha em Santa Cruz de la Sierra. E é justamente aí que as placas da história voltam a se tocar: duas semanas depois da passagem de Luiz Carlos Prestes Filho por Uberlândia, a cidade recebeu uma visita simbólica da filha de Che Guevara, Aleida Guevara. É importante lembrar que Che foi assassinado justamente em Santa Cruz de la Sierra, o ponto final da Coluna. A coincidência temporal — estes dois legados revolucionários passando por Uberlândia no intervalo de poucos dias — deu à cidade um caráter quase ritual nesse centenário. É como se o tempo tivesse decidido costurar suas próprias pontas.

Luiz Carlos Prestes Filho apresentou o ciclo de canções "Lendas Coluna Prestes" no Congado Moçambique de Belém
A participação de Luiz Carlos deu ao centenário uma dimensão que não pode ser aprendida em livros. Ele carrega, com uma naturalidade humilde, uma herança que é ao mesmo tempo política, familiar, histórica e afetiva. Sua forma de contar as lendas da Coluna, de unir poesia e memória, de transformar trajetórias militares em melodias, devolve humanidade aos acontecimentos. E talvez isso seja o mais raro: ele não veio para repetir o passado; veio para dialogar com o presente. A simplicidade com que encarou cada atividade — desde a apresentação no sindicato até o encontro com o Moçambique de Belém — mostrou o que significa, na prática, manter viva a memória de um acontecimento histórico: não é monumentalizar, mas conversar, caminhar, cantar, ouvir. E eu pude testemunhar tudo de dentro. Caminhamos juntos pelas ruas onde o nome de seu pai ainda ecoa — em bairros populares, onde a memória não se apaga. Tocamos juntos, falamos juntos, aprendemos juntos. Em muitos momentos, eu deixei de lado o papel de professor para simplesmente acompanhar alguém que conhece profundamente o país e sua gente. Celebrar os 100 anos da Coluna Prestes em Uberlândia foi lembrar que: a história do Brasil é feita de caminhadas difíceis; a esperança se sustenta no povo, nos movimentos sociais, na cultura popular; a universidade pública continua sendo um lugar de diálogo e transformação; e que legados só permanecem quando alguém os leva adiante — e o trabalho de Luiz Carlos Prestes Filho é prova disso.

André Fabiano Voigt e Aleida Guevara
Ao final, percebi que a marcha da Coluna não terminou na Bolívia em 1927. Ela segue. E seguiu por Uberlândia em 2025, entre violões, tambores, palavras, lembranças e encontros que, de algum modo, também deixaram marcas. A Coluna Prestes sempre foi uma marcha de esperança. E aqui, por alguns dias, marchou conosco novamente.
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André Fabiano Voigt é professor associado do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Minas Gerais, Brasil



