ANGUSTIAS

ANGUSTIAS

Vai ficando sem cor tudo que foi escondido

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ANGUSTIAS

Por Luiz Carlos Prestes Filho

"Infância"

Tudo vai ficando vermelho
O sorriso, o suor, o canto
A lâmina afiada
Com violência vai cortando

A carne do primeiro sorriso
A força da chama
Do viver que aos poucos
Vai virando grossa gosma

Vão ficando vermelhas
Todas as camadas
De traições, rancores, cinismo
Chove chuva de lama

O vermelho avançando
Fragilizando o pensamento
Fazendo do que era um só corpo
Pueira se desmanchando

A erosão vai se espalhando
Vai transformando
O que era homogêneo -:puro
Vai sujando

"Adolescência"

Tudo vai ficando cinza
Somente na memória ainda
As cores das descobertas
Dos mistérios, dos primeiros passos

Tentamos criar novas lembranças
Levar a visão tricromática
Para todas as possiveis e impossíveis
Combinações

Eu digo - todos dizem - para o cinza: "Não"
Ele insiste, sem cerimônias entra nas casas
Senta nas melhores poltronas
Escorre pegajoso

O cinza se infiltra dentro dos lençóis
Cobre o corpo, vira toalha
Vaga entre os sonhos
Entra e sai batendo a porta

Acordamos, nos despimos
Após o banho parece que o cinza sumiu
Ao se enxugar vemos que agora
Flui caudaloso - é um rio

"Maturidade"

Tudo vai ficando verde
Um verde que antes nunca existiu
Nem nas asas das borboletas
Nem nas despedidas de abril

Sim, um verde que nunca existiu
Que não tem a constância
Dentro de uma linha cromática
Destrói todas as texturas românticas

Verde desconhecido
Nas florestas de sentimentos
Não é mato, não é folha, não é limo
É um verde de ressentimentos

Pegajoso - nojento
Ele impede a respiração
Verde que nos leva
Para o apodrecimento

Verde de veias abertas
Verde de carne passada
Verde da caixa de gordura
Que recebe o esgoto da casa

"Velhice"

Tudo vai ficando sem cor
Em todas as vastas cavernas
Escavadas na mente
Até mesmo o pudor de antigamente

A textura de todas as cores
Desapareceu - ausente
Indefinida, esbranquiçada
Vai se misturando com o medo

Como não tem cor
Vira uma sanha destrambelhada
Sem amarras, sem limites
Caminha depravada

Vai ficando sem cor
Tudo que foi escondido
Todas as provas que foram rasgadas
Apalpa sem vergonha e sem amarras

Por mais que tenha orgasmos múltiplos
Tudo vai ficando sem cor
O vermelho, o cinza, o verde se acabaram
A angústia está ancorada

Rio de Janeiro, 25/03/2022

Luiz Carlos Prestes Filho é diretor de cinema, escritor e poeta