MADEIXA

MADEIXA
Na coluna dessa semana apresento aos leitores a curiosa e apaixonante história de "Madeixa", canção dos primorosos artistas Vidal Assis e Moyseis Marques, que será contada aqui por um de seus criadores. Confira!

MADEIXA

Por Lucas Bueno

(Música: Moyseis Marques / Letra: Vidal Assis)

Morena, diz pra mim de onde é que vem o encanto
Que mexe tanto com o meu despudor
Não sei se vem do teu frescor de ameixa
Ou da madeixa em que tu pões a flor.

Por Deus, revela a senha desse teu sorriso
Que é um paraíso, um pôr-de-sol de praia
Define, pois nem comentar me atrevo,
O alto-relevo dessa tua saia
De qual pitanga é feita tua boca
Mistura louca de odalisca e maia
Que, só de ver, eu sem querer me acabo
Solto o diabo e fico de tocaia
E se percebes a minha loucura
Boles com a cintura e aí viro cobaia.

Menina, diz pra mim por que a visão se turva
Se eu vejo a curva desse teu quadril
Acho que és, por baixo do tecido,
Um proibido mapa do Brasil.

Meu Deus, me explica agora por que o teu pescoço
Já me faz bom-moço, seguidor, lacaio
Me conta por que ficas mais bonita
Quando me fitas meio de soslaio
De qual Arábia vem esse teu molho
E esse teu olho quase verde-gaio
Que, se vem vindo, eu quase peço arrego
Perco o sossego; mas sair, não saio
Vem pro salão, escuta um elogio
Que a dança é um cio com sabor de ensaio.

"A canção Madeixa teve como inspiração um cenário bem típico do Rio de Janeiro, cidade de farta vida noturna e salpicada de rodas de samba, de capoeira, de jongo, além de encontros de forró. 

Pois bem, há uns bons anos havia, às noites de terça-feira, na gafieira Estudantina, um forró bastante famoso entre a juventude carioca. A gafieira Estudantina, velho reduto de dançarinos e músicos, se localizava na Praça Tiradentes, no coração do centro da cidade. E eu, buscando colher poesia nas ruas, era frequentador dessas terças-feiras de forró. Dançava pouco, conversava mais, e observava muito. E gostava muito de estar ali, com amigos, vendo casais se formando, casais se desfazendo, os pares se reformulando, ao som de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Anastácia, Forroçacana e músicas de autoria dos próprios cantores e músicos. Artistas como Marcelo Mimoso e Moyseis Marques levavam alegria e talento a essas noites.

Pois bem, há uns bons anos havia, às noites de terça-feira, na gafieira Estudantina, um forró bastante famoso entre a juventude carioca. A gafieira Estudantina, velho reduto de dançarinos e músicos, se localizava na Praça Tiradentes, no coração do centro da cidade. E eu, buscando colher poesia nas ruas, era frequentador dessas terças-feiras de forró. Dançava pouco, conversava mais, e observava muito. E gostava muito de estar ali, com amigos, vendo casais se formando, casais se desfazendo, os pares se reformulando, ao som de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Anastácia, Forroçacana e músicas de autoria dos próprios cantores e músicos. Artistas como Marcelo Mimoso e Moyseis Marques levavam alegria e talento a essas noites.

Vidal Assis

Numa dessas terças, eis que vi uma moça, ruiva, vestido curto, sorriso embriagador e uma flor no cabelo. Em volta dela, tudo ficava azul. Achei a coisa mais linda da face da terra. Se dancei com ela, se conversei com ela, se trocamos contato? Não. Vi de longe, como se fosse um escandinavo olhando pela primeira vez as Américas, a poesia estava toda ali. Ao final da noite, fui embora, embevecido. Passaram-se semanas e me encontrei com Moyseis Marques, depois de um show que fizemos no Teatro Nelson Rodrigues. Disse ao Moyseis que faria uma letra para que ele, se curtisse  musicasse. O tema não poderia ser outro. Pensei em imagens que me lembravam da tal moça. A flor no cabelo, o frescor de ameixa, a boca de pitanga, o alto relevo da saia, a mistura de odalisca e maia, o proibido mapa do Brasil: foram aspectos que eu apreendi a partir da presença dela. Linda, livre, poderosa, de aura clara. 

A partir disso, mergulhei na experiência transcendental e transpirante da composição, no sentido de metrificar os versos, talhar rimas internas, buscar as palavras que dessem ritmo aos versos, e, é claro, que expressassem minha admiração por aquela moça. Ao jeito de Olavo Bilac, construí verso por verso, com apuro e dedicação. Uma tarefa tão exigente quanto prazerosa.

Moyseis Marques

Na hora de compor, eu sempre sinto os versos ao redor de mim, flutuando, versos que ainda não conheço. Ora eu consigo agarrá-los, ora não consigo. Ao final de uns dias, consegui! Versos prontos! Mas ainda sem título. O primeiro título que me veio, “Menina Mapa”. Enviei pra Moyseis e ele musicou sem demora. Fez um xote lindo. Quando reli a letra e o título, sugeri a troca do título para “Madeixa”.

Moyseis topou.Canção finalizada, Moyseis começou a cantá-la nas suas apresentações. Fizemos um vídeo juntos cantando. O povo gostou muito, as pessoas cantavam, compartilhavam nas redes. Até um dia em que eu estava saindo do meu  apartamento e, da porta do elevador, eu ouvi “Morena diz pra mim de onde é que vem o encanto...” de algum outro apartamento, cujo dono desconheço. Pensei: “Valeu a pena ter tentado ser Olavo Bilac por um dia! E valeu mais a pena ainda ter visto aquela moça na gafieira Estudantina.

Ao fazer poesia, eu me encontro com o Vidal menino, suburbano, que adorava poesia, esse menino me faz muito feliz. Essa experiência é um dos momentos mais felizes da minha vida. Minha gratidão eterna à vida por me permitir viver isso sempre. E se sei nome da moça? Soube, sim, alguém me disse, mas não o uso dizer. E, além disso, sei que ela saiu do Brasil, foi morar na Europa. Ela saiu do Brasil, mas ela – poesia escrita pelas Deusas – ficou nos meus olhos e nos forrós do Rio. Viva a Deusa Música!"

Conheça o cancioneiro de Vidal Assis. Artista que traz no bojo de sua arte a elegância dos terreiros, o gingado das valsas, a força da delicadeza, o quebranto da maré cheia. Assis é rio que deságua certeiro nos corações ávidos por música popular brasileira. Não bastasse isso, Vidal tem sua arte musical construída e lapidada na solitude sagrada que carece ao criador, mas também com ilustres e incontestes parceiros, tais como: Hermínio Bello de Carvalho, Ronaldo Bastos, Elton Medeiros, Paulo César Feital, Fátima Guedes, Moyseis Marques, Sérgio Fonseca, Pedro Amorim, Maurício Carrilho, dentre outros.

O compositor Lucas Bueno - cateteando

Ilustração: Luiz da Pedra
Ouça Madeixa
Vidal Assis no YouTube
Vidal Assis foi capa e matéria principal do Segundo Caderno do jornal O Globo do dia 16/11/2016, ao lado de um dos seus mais constantes parceiros, o compositor Elton Medeiros. Confira a matéria, escrita por João Máximo, no link a seguir:
Por conta de seu talento, Vidal Assis obteve, em 2017, duas indicações do 28º Prêmio da Música Brasileira, o mais importante prêmio de música do país: o de artista revelação e melhor cantor de MPB. Confira a lista de indicados do 28º PMB no link a seguir:
Em setembro de 2017, Vidal Assis participou, junto a Elton Medeiros, Teresa Cristina, Carlinhos 7 Cordas e Flávio Bauraqui, do programa Conversa com Bial, cujo tema foi a vida e a obra do compositor Cartola. Confira no link a seguir:
Série de “vídeo-parcerias” em isolamento social, em que divide suas canções com artistas como Beatriz Rabello e Mônica Salmaso. O vídeo gravado com Mônica Salmaso fez parte do projeto Ô, de Casas. Confira no link a seguir: