Eldar Akhadov: “A musa está sempre ao meu lado!"

Eldar Akhadov: “A musa está sempre ao meu lado!"
Conheci pessoalmente Eldar Akhadov no mês de setembro de 2025, em Moscou, Rússia, durante o encontro da Organização Mundial de Escritores (World Organization of Writes – WOW). Sua vida profissional dedicada às áreas da topografia e da mineralogia está plasmada no que escreve. Nela as paisagens das montanhas, dos vales e dos subterrâneos de sua Pátria. Nela o ser humano nas contradições superficiais e nas profundezas da alma. De origem arzerbaijano, pois nasceu, em Baku, ele é um poeta russo. Na época quando deixou o Azerbaijão, Eldar era cidadão da União das Republicas Socialistas Soviéticas (URSS), e a língua oficial em todo território nacional era o russo. Além de prosador e pesquisador literário, ele é copresidente do Conselho Literário da Assembleia dos Povos Eurasiáticos, membro honorário da União dos Escritores do Azerbaijão, membro do PEN Clube da Rússia e da União dos Escritores Russos. Hoje reside na cidade de Krasnoyarsk, Sibéria. Premiado em diversos concursos nacionais e internacionais, é autor de dezenas de livros de poesia, prosa e de caráter acadêmico. Abaixo o resultado de uma conversa com o poeta Eldar Akhadov.
Exclusivo - Luiz Carlos Prestes Filho
Catetear Notícias
Luiz Carlos Prestes Filho: Caro Eldar Akhadov, quando você escreveu seu primeiro poema?
Eldar Akhadov: Meu primeiro poema escrevi no verso de um armário de cozinha. Era 2 de maio de 1968, estava inspirado pelo clima festivo do dia 1º de maio, quando participei com meu pai da manifestação do Dia do Trabalhador, depois assistir a uma grande banda militar na praça perto do mar. O sol da primavera brilhando e o ambiente alegre me inspiraram a escrever. Eu tinha 7 anos e 9 meses. A casa estava em reforma, não consegui encontrar papel e caneta, então fiz anotações com um lápis químico que era usado na obra. Minha mãe guardou aquele armário de cozinha por mais de 25 anos, não como um móvel, mas por ser o meu primeiro manuscrito.
O poeta Eldar Akhadov em diferentes momentos da infância e juventude junto da mão e de seu pai
Prestes Filho: Seus pais ou parentes escreviam poesia?
Eldar Akhadov: Não, nenhum dos meus parentes escrevia poesia. Meu pai, azerbaijano, formou-se no Instituto das Indústrias do Azerbaijão, era engenheiro energético e inventor. Na juventude ele tocava violão e cortejava minha mãe com canções populares. Minha mãe, é da etnia tártara, adora literatura e me transmitiu esse sentimento. Sempre tivemos muitos livros em casa. Entre os parentes da minha mãe não haviam escritores, mas haviam músicos famosos. Por exemplo, o primo em terceiro grau da minha mãe, Ravil Martynov, foi o fundador e maestro titular da Orquestra Sinfônica Estatal de São Petersburgo. Uma figura conhecida em todo o mundo. Seu filho, Timur Martynov é solista de trompete da Orquestra Sinfônica do Teatro Mariinsky e já fez turnês internacionais, incluindo apresentações no Brasil. Já estive com ele em São Petersburgo e Krasnoyarsk. A parente, homônima da minha mãe, Sania Shakirova, em árabe seu primeiro nome significa “instante”, formou-se na mundialmente famosa Academia Russa de Música “Gnesin”. Tornou-se professora daquela academia e diretora do conjunto folclórico tártaro “Idel”, que é a denominação do rio Volga, em tártaro. Palavra que indica que este é “o rio dos rios”.
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"Minha mãe é da etnia tártara, adora literatura e me transmitiu esse sentimento. Sempre tivemos muitos livros em casa." Eldar Akhadov |
Eldar Akhadov - agrimensor
Prestes Filho: Você nasceu em Baku, capital do Azerbaijão, mas reside na Rússia.
Eldar Akhadov: Não só nasci em Baku, como também cresci lá, concluí o ensino médio e entrei na faculdade. Amo minha Pátria. Naturalmente, isso se refletiu na minha obra. O professor Richard Berengarten, de Cambridge, descreveu com precisão meu lugar na literatura: “Notável poeta azerbaijano que escreve em russo”. Domino o russo melhor do que 99% dos habitantes da Rússia. Por isso, escrevo nessa língua. Vou ser duro, mas honesto. Metade das pessoas que hoje se consideram russas não dominam o russo corretamente, escrevem mal e distorcem a sua língua materna, porque não a dominam de forma alguma. O nível de alfabetização na Rússia atualmente é zero ou quase isso. Até mesmo os locutores de televisão, que falam para todo o país, são terrivelmente analfabetos. O uso da inteligência artificial transformou o russo em algo monstruoso, estão desligados da língua russa. A grande maioria dos escritores contemporâneos que se consideram russos não dominam de forma alguma a língua russa clássica. Sim, eu moro na Rússia, porque quando me mudei para a Sibéria, éramos um único país – a União Soviética. Não me considero alguém que se mudou de um país para outro. Viajo para o Azerbaijão todos os anos, porque é a minha terra natal, onde moram a minha mãe, a minha irmã, e onde estão os túmulos do meu pai e da minha segunda irmã. Para a Sibéria, sou, sem dúvida, um escritor siberiano, que dedicou grande parte de sua obra à Sibéria e ao Extremo Norte. Uma pessoa a quem escritores e artistas famosos, como Viktor Astafiev e Valery Zolotukhin, amigo íntimo de Vladimir Vysotsky, presentearam com seus livros.
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"O uso da inteligência artificial transformou o russo em algo monstruoso, estão desligados da língua russa. A grande maioria dos escritores contemporâneos que se consideram russos não dominam de forma alguma a língua russa clássica. " Eldar Akhadov |
O poeta Eldar Akhadov nas paisagens de sua Patria
Prestes Filho: Onde você estudou? Quais são suas principais realizações profissionais?
Eldar Akhadov: Até a oitava série, estudei na escola de língua russa Nº 178, em Baku. Atualmente, na capital do Azerbaijão, existem cerca de 300 escolas que ministram aulas em russo. Considero isso correto: quanto mais idiomas uma pessoa conhece, mais desenvolvida é sua inteligência. Na oitava série tive conflitos com os professores por causa da avaliação de obras de alguns escritores russos. Já naquela época eu tinha minha opinião pessoal sobre a literatura. Mudei para a escola Nº82, onde concluí o ensino médio. Foi quando enviei meus poemas para o Instituto de Letras Maxim Gorky, que fica em Moscou. Recebi a resposta de que meus trabalhos não haviam sido aprovados, não fui selecionado para estudar lá. Depois de receber carta e recusa jurei que nunca colocaria os pés naquele instituto! Cumpri minha palavra. Apesar de 40 anos depois um dos seus diretores, o professor Sergei Dmitrenko, chefe do departamento de literatura russa contemporânea, reconhecer que a minha obra está no mesmo nível de um Aleksandr Blok, de um Boris Pasternak ou de um Ossip Mandelstam. Pelo que ela significa para a literatura russa! De qualquer forma nunca visitei aquela instituição e nunca entrarei nas suas dependências. Sou fiel à minha palavra. Aconteceu que depois da escola, fui a trabalhar e estudei à distância na Faculdade de Engenharia de Energia, onde meu pai se formou. Quer dizer que a partir dos 17 anos, comecei a ganhar o pão com o suor do meu rosto e tenho orgulho de um ano depois ter entrado no curso diurno da Faculdade de Topografia do Instituto de Mineração de Leningrado, hoje São Petersburgo. Fui aprovado com distinção nas provas de admissão em Baku, concorrendo com 54 pessoas para uma vaga. Escolhi Leningrado porque minha mãe me contava muito sobre sua infância naquela cidade, onde viveu antes e durante a Segunda Guerra Mundial. Ela sobreviveu ao bloqueio nazista alemão. Há um ano o governador de São Petersburgo, Alexander Beglov, pessoalmente condecorou minha mãe, com a medalha comemorativa dos 80 anos do fim do bloqueio, agradecendo-lhe pela resistência e a coragem.
O diploma universitário de Eldar Akhadov
Prestes Filho: Quando voltou para sua terra natal?
Eldar Akhadov: Depois de terminar a faculdade, que agora faz parte da Universidade de Mineração de São Petersburgo, voltei para o Azerbaijão e trabalhei por três anos como agrimensor na equipe topográfica da Direção de Geologia do Azerbaijão. Eu tinha que estudar estruturas subterrâneas em várias regiões montanhosas da República. Depois, casei-me e mudei-me para a Sibéria. Lá, trabalhei no departamento de mineração artesanal da empresa estatal de extração de ouro “Yenisey Zoloto”. Minha carreira profissional progrediu. Na década de 1990, fui o chefe da equipe topográfica, engenheiro-chefe da mina de ouro, vice-chefe da área de trabalhos de mineração. Essa “área” tinha o tamanho de duas Suíças! Fui diretor executivo da empresa de pesquisa e extração de jadeite, para joalheria. Em 1996, concluí cursos de gemologia e trabalhei vários anos como especialista em avaliação de pedras preciosas. No ano 2000, fui convidado para trabalhar na empresa de extração de carvão “Krasnoyarskkrayugol” como chefe de topografia. Eu era responsável por seis minas de carvão a céu aberto com uma produção de 6,5 milhões de toneladas de carvão por ano. Minhas publicações científicas apareceram nas revistas “Carvão”, “Boletim de Topografia Mineira”, “Inovações e Investimentos” e na coletânea de materiais da conferência científica e prática da Universidade Federal de Kazan. Os temas dos meus artigos eram os problemas de produção da arte da topografia, por exemplo, um dos trabalhos se chamava: “Sobre a importância dos polígonos geodinâmicos no processo de busca, exploração e exploração de pequenas áreas de geração ativa de petróleo e gás”. Meus livros científicos dedicados aos problemas da toponímia são os seguintes: “Sobre a toponímia da Sibéria Central e Oriental” e “O templo da nossa memória”. O último é sobre a toponímia turca da Eurásia. Esses livros foram escritos durante o período em que liderei a comissão toponímica da filial regional de Krasnoyarsk da Sociedade Geográfica Russa. Minhas principais realizações profissionais podem ser consideradas o período em que trabalhei no Extremo Norte como especialista-chefe de levantamento topográfico de uma das maiores filiais russas da British Petroleum, a TNK-BP, e depois na maior empresa russa, a Rosneft. Participei na pesquisa, exploração e desenvolvimento dos maiores campos petrolíferos do norte da Rússia, incluindo a descoberta do campo de petróleo e gás de Messoyakh, o mais setentrional da plataforma continental, com reservas de petróleo superiores a 500 milhões de toneladas. Minha atividade produtiva serviu de base para muitos dos meus romances, contos e poemas. Inclusive, meu nome foi inscrito no mapa topográfico. A União dos Mineiros da Rússia me concedeu a medalha honorífica de prata.
Capas de alguns livros de Eldar Akhadov
Prestes Filho: Quais poetas contemporâneos do Azerbaijão você lê?
Eldar Akhadov: Leio poetas não por seu país de origem, mas pelo interesse que tenho por sua obra. Na Rússia, há poetas interessantes, por exemplo, Arseni Tarkovski, Timur Zulfikarov e Efim Bershin. Entre os jovens, Oksana Goroshkina. No Azerbaijão há muitos poetas notáveis. Isso desde a antiguidade, pois é um país de poetas! Entre os contemporâneos notáveis, destaco Fikret Goja, Bakhtiar Vagabzade, Vladimir Kafarov e, entre os jovens, Zaur Jafarov. Sempre me interessa o conhecimento que o autor tem da língua em que escreve. Se ele não conhece a língua, o que pode escrever nela?
Prestes Filho: Quais poetas contemporâneos da Europa, África, Ásia, América Latina ou América do Norte que merecem sua atenção?
Eldar Akhadov: Richard Berengarten, Reino Unido, Ko Um, Coreia do Sul. Ismael Diadie Haidara do Mali e Ashraf Abul Yazid, Egito. Paolo Ruffilli, Itália, Mario Quintana, Brasil, Rui Cóias, Portugal e o russo, Valery Pereleshin, que morou por muito tempo no Rio e Janeiro.... a lista é longa. Eu me interesso por poetas e personalidades talentosos. Aprecio o brasileiro Paulo Coelho, embora não seja poeta. Ele esteve em Krasnoyarsk, onde é conhecido e amado. Recentemente, conheci o brasileiro Astier Basílio, tradutor de poesia russa, que veio à Sibéria, e há também um autor absolutamente surpreendente, Luiz Carlos Prestes Filho.
Eldar Akhadov entre os poetas Ibragim Istambuili (Síria) e Prithviraj Taur (Índia), ao lado da bandeira da Organização Mundial de Escritores - World Organization Writers - WOW
Prestes Filho: Você dá muita atenção às atividades sociais. Isso é importante para a sua poesia?
Eldar Akhadov: Para a poesia isso não é importante mas é importante para a comunicação, para o enriquecimento mútuo de pensamentos e sentimentos, para a inspiração futura.
Prestes Filho: Conte sobre sua atividade na Organização Mundial de Escritores (World Organization of Writers - WOW).
Eldar Akhadov: Na WOW eu coordeno as ações entre as entidades e os escritores que fazem parte dessa organização. O trabalho é principalmente de natureza técnica, voltado para encontrar um entendimento mútuo entre escritores de diferentes países. Muito tempo é gasto na correspondência com os autores, na coleta de suas obras para participação em concursos, na coordenação de participação destes em Congressos da WOW e nas respectivas mesas redondas.
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"Às vezes brinco sobre isso: 'A musa está sempre ao meu lado, sempre pronta para ajudar!'. Não dá para controlar a inspiração, ela vem quando quer. Por isso, é preciso estar sempre pronto, a qualquer momento. Quando ela vier, largue tudo e escreva. O resto pode esperar." Eldar Akhadov |
Prestes Filho: Que conselhos você daria aos jovens poetas?
Eldar Akhadov: Trabalhem. Trabalhem com o texto. Constantemente. Na vida real e nos sonhos. Nada vem por si só. Só através do trabalho. Se houver talento. Pois sem ele, nem mesmo o trabalho ajudará. Mas se você confiar apenas no talento, sem trabalhar, não vai conseguir nada.
Luiz Carlos Prestes Filho, escritor, jornalista e poeta, com Eldar Akhadov segura o livro "Lendas sobre Azerbaijão"