PRESTES - Ato nº4 - Luiz Paixão

PRESTES - Ato nº4 - Luiz Paixão

Olga Benário Prestes

PRESTES - Ato nº4

Dramaturgo Luiz Paixão

LUZ EM MANUILSKI E OLGA BENÁRIO, UNIÃO SOVIÉTICA. SEDE DA INTERNACIONAL COMUNISTA.

O revolucionário Dmitri Manuilski, dirigente da Internacional Comunista na URSS

MANUILSKI - Camarada, o Comintern reservou para você uma tarefa das mais importantes. Mas antes precisamos de sua concordância.

OLGA - O camarada Manuilski sabe que não me furto a nenhuma tarefa do Comintern.

MANUILSKI - Temos certeza disso. O seu espírito de denodo e abnegação e, sobretudo o seu compromisso com a revolução, é que nos levou a decidir por seu nome.

OLGA - Qual é a tarefa?

MANUILSKI - Um dos mais corajosos comunistas se encontra há mais de três anos aqui na União Soviética e agora pretende voltar ao seu país, que está sob um regime fascista.

OLGA - Compreendo.

MANUILSKI - Temos informes do Secretário Geral do Partido(52A) que amadureceu uma situação revolucionária em seu país. Mas só permitiremos a ida do companheiro se cuidarmos de sua segurança pessoal.

OLGA - E eu seria a responsável por sua segurança?

MANUILSKI - Exatamente. A camarada já deu provas indiscutíveis de coragem e determinação.

OLGA - Posso fazer uma pergunta?

MANUILSKY - Por favor.

OLGA - Esse país é a Alemanha?

MANUILSKY - A camarada não gostaria de lutar em outro país?

OLGA - A Internacional não tem pátria, luta pelos direitos humanos, onde seja necessário.

MANUILSKY - Não, camarada, não se trata da Alemanha. É um país latino-americano.

OLGA - Quando partiríamos?

MANUILSKY - Dentro de poucos dias. Se a camarada quiser pode dar a resposta amanhã.

OLGA - Minha decisão já está tomada: eu vou!

MANUILSKY - (PARA O OUTRO) Faça-o entrar.

OUTRO SAI. UM TEMPO DE SILÊNCIO. OLGA OLHA DISTANTE REFLETINDO. PRESTES ENTRA. OLGA VOLTA-SE PARA ELE. OS DOIS FIXAM O OLHAR, UM NO OUTRO. NÃO CONSEGUEM DESVIAR.

Passaporte do casal Antônio e Maria Vilar - documento falso de Olga Benário e Luiz Carlos Prestes

MANUILSKY - Camarada Olga Benário, apresento-lhe o camarada Luiz Carlos Prestes... Você deve acompanhá-lo ao Brasil.

“LUA BRANCA”, DE CHIQUINHA GONZAGA, INSTRUMENTAL, SUBLINHA O SILÊNCIO DOS DOIS QUE SE OLHAM FIXOS. A LUZ CAI SOBRE A CENA. A LUZ VOLTA E NOS MOSTRA OLGA E PRESTES. ELA ARRUMA AS MALAS.

OLGA - A partir de hoje o seu nome é Pedro Fernandez e o meu é Olga Sinek. Nós vamos direto para Leningrado e de lá pegaremos o trem para Helsinque. Obviamente, este não é o caminho mais curto para Paris, mas é, com certeza o mais seguro. Não podemos nos arriscar passando pela Alemanha. Minhas fotos devem estar espalhadas por toda fronteira. De Helsinque vamos para Estocolmo, de onde, se tudo correr bem, iremos a Paris. Todos os problemas relativos a passaporte, registros em hotéis, informações, vistos, estarão sob minha responsabilidade. O camarada não deve dar um passo sem que eu esteja ao seu lado. (ELA PEGA AGULHAS DE TRICÔ E NOVELOS DE LÃ. PRESTES OLHA INTRIGADO. ELA PERCEBE) Tricô... ajuda passar o tempo...

A LUZ FECHA. TORNA A ABRIR. OS DOIS A BORDO DE UM NAVIO. TAÇAS DE CHAMPAGNE.

OLGA - Vamos ter que alterar nosso plano de viagem, camarada. Passaremos alguns dias em Amsterdam para tentar conseguir passaportes de melhor qualidade. Não podemos mais nos arriscar com essas falsificações grosseiras. Em dois ou três dias nosso contato deverá providenciar isso e assim que... (PERCEBE QUE PRESTES A ESTÁ OLHANDO. ELE DESVIA O OLHAR) Desculpe minha indelicadeza... (ERGUE A TAÇA) Feliz ano novo, camarada Pedro.

PRESTES - (BRINDANDO) Que 1935 seja o ano da revolução no Brasil.

FECHA. ABRE. PRESTES LÊ, OLGA TRICOTA.

OLGA - Tenho observado uma coisa.

PRESTES - O que?

OLGA - Sempre que vamos a um restaurante você pede um prato mais barato para você e sugere um melhor para mim.

PRESTES - Não é verdade.

OLGA - Sabia que é muito feio um comunista mentir?

PRESTES - Você está imaginando coisas.

OLGA - Claro que não. Com as roupas é a mesma coisa: as mais baratas são sempre suas. Eu sei, Pedro, que não é apenas por cortesia ou gentileza, o seu caráter é assim. Mas não é justo. Não está certo.

PRESTES - Não deve se preocupar com isso, camarada.

Luiz Carlos Prestes e Olga Benário no Brasil

OLGA - Minha tarefa é preocupar-me com você. Cuidar de você. E quando eu digo que essa relação não é justa, é porque não é.

PRESTES - Sabia que você se parece muito com a minha mãe? Ela também tem esse senso de justiça.

OLGA - Só que não conseguiu transmitir isso para o filho!? Brincadeira... Para ter um filho como você sua mãe deve ser uma grande mulher.

PRESTES - Acho que nunca conheci uma pessoa tão parecida com ela.

OLGA - Devo tomar isso como um elogio?

PRESTES - Você é muito especial.

OLGA - Apenas uma comunista que tenta cumprir suas tarefas. E agora está vivendo sua tarefa mais difícil. Por isso, a partir de hoje, senhor Pedro, eu escolho os pratos.

A LUZ FECHA. VOLTA A ABRIR. OS DOIS QUASE MONOLOGAM.

PRESTES - A loira Hermínia, que se casou com o negro Firmino... Tia Maria, a feiticeira que foi torturada até a morte, a mais terrível tortura que alguém jamais sofreu... Alzira, a Onça, que à noite dançava para os combatentes... Albertina, a mais bela e que foi degolada por um soldado do governo porque se recusou a se entregar a ele... Foram tantas... valentes, guerreiras, abnegadas... Quando a marcha começou eu quis expulsá-las: mandei que fossem embora, porque sabia que nossa luta seria muito penosa. Não queriam ir, mas eu mandei. Então, juntei a tropa para atravessar um rio e seguir o nosso caminho. Quando chegamos à outra margem, elas estavam todas lá, nos esperando para marchar conosco. Me mostraram que seriam capazes de muito mais. E foram...

Otto Braun, à esquerda, e Mao Zedong, à direita. O revolucionário alemão, ex-companheiro de Olga Benário, foi o único estrangeiro que participou da Longa Marcha (1934/1935). Nos mesmos anos quando Olga e Prestes partiram para o Brasil, para organizar o Levante Armado Antifascista de 1935.

OLGA - Otto era acusado de alta traição à pátria e estava preso há um ano e meio, aguardando julgamento. Quando o guarda o apresentou no tribunal, eu encostei a arma em sua cabeça e ordenei que soltassem Otto, enquanto os outros do grupo dominavam todos que estavam lá. Foi tudo muito rápido e não houve tempo de reação. Fugimos dali com a tarefa cumprida. Na hora do almoço meu nome já estava no noticiário como “perigosa comunista”. Então tive que ir para a União Soviética e acabei membro da juventude comunista internacional. Isso foi dia 11 de abril de 1928. Enquanto eu assaltava a prisão de Moabit, você estava exilado na Bolívia.

PRESTES - Você já era comunista, eu dava os primeiros passos no marxismo.

OLGA - Gostaria muito de ter participado da marcha da Coluna.

PRESTES - Olga?...

OLGA - O que? (OS DOIS SE OLHAM FUNDO)

PRESTES - Não, nada... nada não...

A LUZ CAI SOBRE OS DOIS. VOLTA A ABRIR.

OLGA - Senhor e senhora Antônio Vilar. Você, lisboeta, quarenta anos, comerciante. Filho de José Vilar e Ângela Vilar. Eu, Maria Bergner Vilar, sua mulher. O passaporte é válido por um ano.

PRESTES - E agora, o que faremos?

OLGA - Antônio Vilar é um homem rico, vamos às melhores casas de Paris e nos vestir adequadamente. Depois vamos conseguir um visto de entrada e saída nos Estados Unidos.

PRESTES - Você é louca?

OLGA - Quer maior legalidade do que essa? Se conseguirmos o visto americano não teremos mais problemas. Um casal em lua-de-mel não despertará suspeitas.

PRESTES - Você é muito audaciosa, Maria.

OLGA - A qualidade do passaporte é muito boa. É só declarar que não somos comunistas.

PRESTES - Sabia que um comunista não deve mentir?

OLGA - Nesse caso é necessário: faz parte da luta de classes.

PRESTES - Senhor e senhora Antônio Vilar?

OLGA - Senhor e senhora... Teremos que nos registar como um casal... Senhor e senhora Antônio Vilar... o mesmo quarto... a mesma cama...

OS DOIS SE OLHAM FIXOS. A LUZ CAI SOBRE ELES. VOLTA.

OLGA - Entrar nos Estados Unidos não é tão difícil como sempre pensei. Felizmente o capitalismo tem suas falhas na segurança interna.

PRESTES - Então você também estava com medo?

OLGA - Não, eu tinha certeza que... estava morrendo de medo. Podíamos se descobertos a qualquer momento. Mas era necessário arriscar... PRESTES - Já falei que você é muito audaciosa?

OLGA - Já.

PRESTES - Já falei que você é louca?

OLGA - Já.

PRESTES - Já falei que eu...? (INTERROMPE. OS DOIS SE OLHAM)

OLGA - Ainda não... (UM SILÊNCIO. OS DOIS SEMPRE SE OLHANDO. OLGA TENTA QUEBRAR O CLIMA) Tenho um presente para você... (ENTREGA-LHE UM PULÔVER DE LÃ)

PRESTES - Então esse tempo todo... o tricô...?

OLGA - Era para você.

PRESTES - É lindo... eu...

OLGA - Não vai experimentar?

PRESTES - Claro, claro. (ELA O AJUDA VESTIR-SE)

OLGA - Ficou bom?

PRESTES - Ficou ótimo.

OLGA - Meu presente de “lua-de-mel”.

PRESTES FICA UM POUCO EMBARAÇADO COM O OLHAR DELA. AFASTA-SE.

OLGA - O que foi? Não está feliz?

PRESTES - Claro, muito feliz... você... É que eu...

OLGA APROXIMA-SE POR TRAS. PEGA-O PELOS OMBROS VIRANDO-O PARA SI, OLHARES FIXOS.

OLGA - Não precisa dizer nada...

PRESTES - Mas...

ELA COLOCA SUAVEMENTE A MÃO EM SUA BOCA, IMPEDINDO-O DE FALAR.

OLGA - Eu também...

OS DOIS SE BEIJAM. “LUA BRANCA” SE FAZ OUVIR. A LUZ CAI SUAVEMENTE. A MÚSICA CONTINUA. ABRE LUZ

Luiz Paixão é diretor de teatro, dramaturgo, poeta e escritor

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