Prestes - Ato nº2 - Luiz Paixão
A Coluna Prestes em Foz do Iguaçu, Estado do Paraná - Marco das Três Fronteiras, 1925
PRESTES - Ato nº2
Dramaturgo Luiz Paixão
FOCO NUM HOMEM QUE FALA DIRETAMENTE PARA A PLATÉIA
HOMEM - Ninguém num acreditô não. A foguêra era das grande e os papel tudo quemando. Todo mundo foi vê. Carolina era uma festa só. Foi livro de conta, recibo, imposto, tudo virando cinza. Nós num ia pagá mais nada. Todo mundo era que era só felicidade. E os home da Coluna falando pro povo e como falava bonito sô. Teve inté levantamento de Bandeira...
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Seu capitão, eu já tenho setenta e oito anos e inté hoje foi a coisa mió que vi fazê na Carolina, pruquê os dêreito são tudo só de maldade... |
O Comando Revolucionário em Foz do Iguaçu, Estado do Paraná, 1925
APAGA SEU FOCO. ABRE LUZ. ACANTONAMENTO EM FOZ DO IGUAÇU. REUNIÃO DE OFICIAIS.
PRESTES - Minha força não emigra nem abandona a luta, ainda que nos falte apoio dos paulistas.
OFICIAL 1 - Não temos como continuar. As tropas estão cansadas, desmoralizadas. A queda de Catanduvas foi fulminante.
PRESTES - Cabe a nós, oficiais, levantar o moral das tropas.
OFICIAL 1 - Se os próprios oficiais estão desertando. O capitão Filinto Müller fugiu levando cem contos de réis da revolução, além de instigar a soldadesca a desertar.
Capitão Filinto Müller
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PRESTES - Que se expulse o capitão Filinto Müller das fileiras revolucionárias. Que ele entre para a história como um traidor covarde. |
OFICIAL 2 - Estamos cercados, Prestes.
PRESTES - Furemos o cerco.
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OFICIAL 2 - O general Rondon não é homem de se curvar facilmente. A derrota do nosso movimento é questão de honra para ele. Segundo suas próprias palavras, já nos enfiou dentro da garrafa, só falta fechar. |
Cândido Rodon foi derrotado pela Coluna Prestes
PRESTES - Mesmo o general Rondon pode ser derrotado. A persistência é uma das melhores armas do revolucionário.
OFICIAL 1 - E o que o coronel propõe?
PRESTES - Marchar para o norte.
OFICIAL 2 - Loucura!
OFICIAL 1 - Suicídio!
OFICIAL 2 - Enfrentando o inimigo de peito-aberto?
PRESTES - A guerra no Brasil, qualquer que seja o terreno, é guerra de movimento. Para nós, revolucionários, o movimento é vitória. Vamos para o Mato Grosso, passando pelo Paraguai, evitando o confronto direto.
OFICIAL 1 - Invadir um país irmão?
PRESTES - Não temos outra alternativa.
OFICIAL 2 - Sem a permissão do marechal Isidoro?
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PRESTES - Não temos tempo para consultá-lo. Ou assumimos a responsabilidade de uma invasão pacífica e rompemos o cerco ou estamos liquidados. Marchamos para o norte e mantemos viva a chama da revolução. Atraímos as forças inimigas para que os tenentes logrem êxito nos levantes no Rio de Janeiro. |
General Miguel Costa
MIGUEL - Evitando sempre o confronto direto?
PRESTES - Foi com essa estratégica, general, que eu e meus 800 homens chegamos até aqui, percorrendo mais de cem léguas.
MIGUEL - Temos que comunicar o governo paraguaio nossa decisão. Vamos quebrar o fundo da garrafa.
FECHA LUZ NOS OFICIAIS. ABRE FOCO EM UMA MULHER.
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MULHER - Joel era meu homem, que nunca mais vi. Sumiu nesse mundão de Deus que não tive mais notícia. Foi com o general Prestes. Vê só a doidice do excomungado: a tal da Coluna passou aqui e Joel era doido pelo general Prestes. Mas não tinha nada pra dá de presente, só uma cuia de farinha e Joel deu a cuia de farinha para o general dividir com seus soldados. Mas aí não ficou satisfeito e deu nosso burro pro general Prestes num andá mais a pé. E aí, vê só a doidice do home, virou pro general Prestes e disse: general, agora me leve... me dê um fuzil, já lhe dei tudo que tinha, agora me dá um lugar na Coluna... E foi com a Coluna. Nunca mais vi Joel... até hoje tou esperando ele, mas acho que num volta mais não. Acho que Joel morreu na Coluna, lutando ao lado do seu general... |
INVERSÃO DE LUZ. ABRE LUZ GERAL. FINAL DE UM COMBATE DA COLUNA COM AS TROPAS LEGALISTAS. MORTOS E FERIDOS ESPALHADOS. OS REBELDES AJUDAM OS FERIDOS, IMPROVISANDO MACAS E PADIOLAS.
Cordeiro de Farias
PRESTES - Quantos dos nossos morreram?
CORDEIRO- Cinco ou seis. Eles vão atacar novamente. É melhor você ir embora.
PRESTES - Eu não posso.
CORDEIRO - É muito perigoso você ficar aqui. Miguel já foi ferido, e se você também for atingido será uma grande amolação.
PRESTES - Não vou deixar o Miguel sozinho, Cordeiro.
CORDEIRO - Você não pode fazer mais nada. A Hermínia e o Aristídes estão cuidando dele.
PRESTES - Já disse que não vou.
REBELDE - Pusemos os patriotas pra correr, hem, general. Mas o Zé Viúvo está ferido e quer falar com o senhor.
PRESTES - O que foi, Zé Viúvo?
ZÉ VIÚVO - Minha perna, general. Acho que não ando mais não.
PRESTES - Amanhã cê já tá bom de novo pra enfrentar a corja bernardista.
ZÉ VIÚVO - Tou não e o general sabe disso.
AGRÍCOLA - Faz igual eu, Zé: é o terceiro tiro que levo na perna, vou mandar cortar ela, que só me traz urucubaca.
ZÉ VIÚVO - Só quero pedir uma coisa pro meu general: não me deixa aqui não.
PRESTES - Nunca deixei soldado meu pra trás, Zé.
ZÉ VIÚVO - Eu sei, general. Mas é que do jeito que tou, só vou andar de muleta. Mas ainda posso lutar, general. Me dê um fuzil e o senhor vai ver o melhor sentinela da Coluna. Não me trate como entrevado.
PRESTES - Dê ao Zé Viúvo o meu cavalo.
ZÉ VIÚVO - E o senhor, meu general?
PRESTES - E assim que a perna melhorar, dê um fuzil novo a ele. Zé Viúvo vai ser nosso sentinela. E se eu te pegar dormindo!...
ZÉ VIÚVO - Vou dormir, não, general. Vou dormir não.
PRESTES - Como está o Miguel?
ARISTIDES - O ferimento é feio, mas ele vai ficar bom, sim.
AGONIZANTE - Chame o general Prestes...
PRESTES - Estou aqui. O que foi?
AGONIZANTE - ... eu tou morrendo, general... e eu queria morrer ao seu lado...
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PRESTES SENTA-SE AO SEU LADO. SEGURA SUA MÃO. TODOS OLHAM PARA A CENA. UMA MÚSICA SUBILINHA. O AGONIZANTE MORRE. PRESTES CONTINUA SEGURANDO SUA MÃO. A LUZ VAI FECHANDO A CENA. ABRE FOCO NUM HOMEM |
Luiz Carlos Prestes, à esquerda, Cordeiro de Farias à direita, e companheiros analisam estratégias militares.
HOMEM - Nunca tive nada, seo moço. E quando falo nada é pruquê é nada mesmo. Nem num tive nada pro seo Prestes. Vida é difícil demais. Quando seo Prestes passou aqui e entrou na minha casa, vou contá pro sinhô, quase tive um num sei o quê, fiquei palermado. Seo Prestes na minha casa, casa de pobre que nem um nada tinha pra oferecê. Nem eu ele podia levá, que tou velho e num agüento mais lutá. Filho num tenho, que se tivesse, tinha mandado: leva o menino, ensina sê homem e lutá contra as injustiça. Mas também vou dizê pro senhor, esse orgulho num tem ninguém que me tira: a cadeira que ele sentou tá pregadinha lá em cima na parede, toda imponente, sô. Parece inté uma santa, que Deus me perdoe as ofensa, mas ela tá lá... É, seo moço, e nessa ninguém senta mais, só ele, se algum dia voltá...
FECHA FOCO. ABRE GERAL NOS REBELDES. NOITE. ELES CANTAM ALEGRES. MULHERES DANÇAM. BACELAR SE APROXIMA DE PRESTES.
BACELAR - General, eu queria uma palavrinha com o senhor.
PRESTES - O que foi, Bacelar?
BACELAR - Bem, general... é que... o senhor sabe, né?...
PRESTES - Se você não falar, eu não vou poder saber.
BACELAR - O general bem sabe que tou na Coluna desde São Paulo...
PRESTES - Sei, sim. Você tem prestado grandes serviços à revolução.
BACELAR - Pois é, general. Nunca pedi nada, que não tou aqui pra isso. Eu tou aqui é pra lutar. Mas é que semana que vem... O senhor sabe, né?
PRESTES - O que que tem semana que vem?
BACELAR - É que é o meu aniversário e eu queria que no próximo número do nosso jornal o senhor noticiasse a data. Coisinha pequena. Só pra matar mesmo a vontade e bobice desse velho. (23)
PRESTES - Não é bobice não, Bacelar. No próximo número de O Libertador essa data vai ser noticiada. E com muito orgulho para todos nós.
OUVE-SE O CHORO DE UMA CRIANÇA RÉCEM-NASCIDA. TODOS PARAM.
REBELDE - É o filho de Santa Rosa!
REBELDE 1 - Nasceu no meio da guerra.
REBELDE 2 - É o filho da Revolução!
O Jaguncinho - pequeno combatente da Coluna Prestes
TODOS APLAUDEM FELIZES. GRITOS DE ‘VIVA A REVOLUÇÃO’, ‘VIVA A COLUNA’, VIVA O FILHO DA REVOLUÇÃO’. DOIS VIOLEIROS SE DESTACAM E CANTAM. A CADA ESTROFE OS OUTROS APLAUDEM, GRITAM.
UM - Tem aparêio de mangaba
que já ouvi contá
qui joga pro riba do rio
pras tropa podê passá
DOIS - Isso num é nada
qui tem rede de pegá gente
e qui pega cavalo tumém
pois num lhe escapa vivente
UM - Dom Pedro acompanha a marcha
Isabé, a mais bunita princesa
Tem inté bispo pra rezá
Isso eu digo com certeza
DOIS - Por onde passa pega fogo
na caatinga ou capoeira
num há soldado do guverno
qui atravesse sua beira
UM - O comandante adivinha
tudo qui vem pela frente
entonce digo: pra lhe prendê
ainda num apareceu gente
DOIS - Parece tão franzino
mas tem força de gigante
pois tem negro feitiço
qui lhe protege e garante
UM - Tem corpo fechado
que balaço num acerta
por isso que cantam sempre:
essa Coluna tem vitória certa.
A marcha revolucionária atravessou o norte do Estado de Goiás, hoje Estado do Tocantins, onde foi construído pelo Governador José Wilson Siqueira Campos, com projeto do arquiteto Oscar Nemeyer, o Memorial Coluna Prestes Tocantins. Inaugurado em 2001.
TODOS APLAUDEM E GRITAM FELIZES. A LUZ CAI SOBRE A CENA. ABRE EM PRESTES E MIGUEL COSTA.
MIGUEL - Você está pensando o mesmo que eu?
PRESTES - Creio que sim.
MIGUEL - Está na hora, não é?
PRESTES - Não temos mais muito a fazer. Não podemos continuar sacrificando a tropa quando sabemos que...
MIGUEL - Washington Luís promete mudanças.
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PRESTES - Depois de tudo que vi, toda miséria, fome, só há uma forma de mudança, Miguel: mudar tudo de cima abaixo, ou se faz uma mudança radical ou o Brasil continua como está, e Washington Luís não vai operar essa mudança tão radical. Creio que o governo boliviano não vai nos negar asilo. |
MIGUEL - E os homens? Estou preocupado com o destino deles.
PRESTES - Enquanto houver um herói da Coluna sem emprego, eu não abandono a Bolívia.
ABRE NOS REVOLUCIONÁRIOS, PRESTES DISCURSA PARA ELES.
Luiz Carlos Prestes em Foz do Iguaçu, Estado do Paraná, 1925
PRESTES - Não fomos derrotados. Essa é nossa maior vitória: a nossa marcha, depois de 27 meses de lutas desiguais enfrentando um inimigo cruel, que saqueou, torturou e assassinou a sangue frio os melhores filhos que essa terra gerou, não sai derrotada e, por isso mesmo, vitoriosa. Somos vitoriosos pois não nos curvamos à superioridade numérica do inimigo. Ainda poderíamos continuar lutando, pois sei do destemor e disposição de cada um, mas não devemos causar mais sofrimentos às populações que já sofrem tanto. A fúria do inimigo não tem limites e é sobre o povo humilde que revida cada derrota. Um novo presidente assumiu o poder. É hora de pensar em outras formas de luta. A nossa passagem para a Bolívia é apenas ‘um mero episódio da Grande Revolução que agita o Brasil. Não vencemos, mas não fomos vencidos. A revolução triunfará’. Mas se nessa luta há um vencedor, o vencedor são vocês.
Luiz Paixão é diretor de teatro, dramaturgo, poeta e escritor
Venha Catetear!
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