PRESTES - Ato nº3 - Luiz Paixão

PRESTES - Ato nº3 - Luiz Paixão

Luiz Carlos Prestes entre Antônio Siqueira Campos e Miguel Costa, Porto Nacional, Estado do Tocantins, 1925

PRESTES - Ato nº3

Dramaturgo Luiz Paixão

LA GAIBA, BOLÍVIA. DEZEMBRO DE 1927, PRESTES ENCONTRA-SE COM ASTROJILDO PEREIRA

PRESTES - Seu Astrojildo, uma opção política não é uma coisa que se toma nem se muda da noite para o dia. A opção tem que ser para toda a vida.

ASTROJILDO - Não estou propondo sua filiação ao Partido Comunista.

PRESTES - Nem eu poderia aderir a uma ideologia que não conheço e não sei se é a mais adequada para transformar a realidade brasileira.

ASTROJILDO - Pelo menos em uma coisa nós estamos de acordo: nós, comunistas, queremos transformar o mundo e não nos adaptar a ele. Os livros que lhe trouxe apontam soluções para os problemas sociais do nosso tempo.

PRESTES - (OLHANDO OS LIVROS) “O Estado e a Revolução”, “Manifesto Comunista”...

Luiz Carlos Prestes, La Gaiba, Bolívia, 1927

ASTROJILDO - São obras de Marx, Engels e Lênin, pensadores que orientam os caminhos do nosso Partido.

PRESTES - Vou ler com interesse. E quanto a aliança que o PCB propõe?

ASTROJILDO - Temos claro que o Brasil caminha para uma terceira explosão revolucionária.

PRESTES - Terceira explosão? Por favor, explique-se melhor.

ASTROJILDO - Depois de 22 e 24, a marcha da Coluna... Não há como fugir, seu Prestes, vem aí uma grande explosão que, certamente, definirá um novo tempo para o país.

PRESTES - O senhor ainda não se explicou.

Astrojildo Pereira, fundador do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

ASTROJILDO - O PCB entende que é necessário coordenar nossas forças, tendo em vista objetivos comuns. Washington Luís fechou todas as portas. A repressão recrudesceu violentamente. Continuamos viver sob o estado de sítio. A insatisfação popular é generalizada. E só uma ação conjunta e unitária poderá modificar o atual quadro político.

PRESTES - E para que isso se efetive o meu nome e o prestígio da Coluna estariam ligados a essa aliança que o Partido propõe?

ASTROJILDO - Uma aliança entre os comunistas e os combatentes da Coluna implica na adesão a um programa comum.

PRESTES - Em tese me parece um caminho viável, mas não posso aceitar.

ASTROJILDO - Por que não? É o momento de promovermos uma revolução.

PRESTES - Não posso tomar nenhuma decisão sem consultar meus companheiros. E, em segundo lugar, confesso não ter o conhecimento necessário para aderir a um programa proposto pelo Partido Comunista. Mas me responda uma coisa: como chegarão à conclusão desta terceira explosão?

ASTROJILDO - Estudando os livros que lhe trouxe.

FECHA LUZ NOS DOIS. ABRE EM PRESTES E GETÚLIO VARGAS.

Getúlio Vargas

PRESTES - Dr. Getúlio, eu lamento que tenhamos conversado por duas horas e não tenha conseguido me fazer entender. Então agora eu vou ser bastante claro para que não haja mais dúvidas: a sua candidatura à presidência da República não me interessa. E eu afirmei isso em nosso primeiro encontro.

GETÚLIO - E o que interessa ao senhor?

PRESTES - A revolução!

GETÚLIO - Em algum momento afirmei que não ia fazer revolução?

PRESTES - Em momento algum afirmou que ia fazer.

GETÚLIO - O senhor tem a eloquência da convicção. Eu gosto disso. Por acaso leu minha plataforma?

PRESTES - Eu li, sim.

GETÚLIO - Então não sei exatamente o que o senhor quer.

PRESTES - Se o senhor for eleito, dentro desse regime, vai fazer a mesma coisa que todos os outros. Não vai modificar coisa alguma.

GETÚLIO - Como pode afirmar isso?

PRESTES - Doutor Getúlio, a eleição de março é apenas uma luta entre oligarquias.

GETÚLIO - Há uma grande diferença entre Júlio Prestes e eu.

PRESTES - Ele é paulista e o senhor é gaúcho.

GETÚLIO - Eu falo em reforma agrária, seu Prestes, em entregar terra aos camponeses.

PRESTES - Eu sei. Tudo o que falei em nossa primeira reunião e tenho declarado à imprensa o senhor colocou em sua plataforma.

GETÚLIO - Então não há motivo para não apoiar minha candidatura...

PRESTES - O senhor, doutor Getúlio, não pode cumprir um programa que se oponha às pretensões imperialistas.

GETÚLIO - Escute o que vou lhe dizer: nós vamos fazer uma revolução neste país, seu Prestes. O senhor pode ter certeza.      

PRESTES - Revolução do voto! Pois revolução armada, que promova uma mudança radical, eu não acredito. E não vou permitir a utilização do meu nome por políticos que não pretendem a revolução. E tanto não pretendem que o senhor prometeu dinheiro para a compra de armas e desde setembro estou esperando. Já estamos em janeiro e até agora nada.

GETÚLIO - O senhor tem que entender que estamos passando por dificuldades financeiras. Mas pode ficar tranquilo que o Antônio Carlos ficou de mandar quatro mil contos de réis e nós vamos armar o senhor e seus homens. Preciso do seu apoio, seu Prestes. Já disse e repito: fique tranquilo, o senhor não vai se decepcionar.

PRESTES - Não vou trair os meus companheiros da Coluna, doutor Getúlio.

GETÚLIO - Seu Prestes, os seus companheiros da Coluna já estão comigo.

João Alberto Lins de Barros

INVERSÃO DE LUZ. ABRE EM PRESTES, JOÃO ALBERTO, MIGUEL COSTA E SIQUEIRA CAMPOS.

PRESTES - (LENDO) “Pela instituição de um governo realmente surgido dos trabalhadores das cidades e das fazendas, em completo entendimento com os movimentos revolucionários anti-imperialistas dos países latino-americanos e capaz de esmagar os privilégios dos atuais dominadores e sustentar as reivindicações revolucionárias. Assim, venceremos.”

JOÃO ALBERTO - (DEPOIS DE UM LONGO SILÊNCIO) O que você diz no seu manifesto, tudo isso é verdade, mas agora chegou a nossa hora e eu não nasci para apóstolo.

PRESTES - Chegou a nossa hora? Que hora é essa, João Alberto?

JOÃO ALBERTO - A hora da revolução.

PRESTES - Ou chegou a hora de trair a revolução por que tanto lutamos?

JOÃO ALBERTO - Essa evidentemente não é a “nossa revolução”. Mas que fazer?

PRESTES - Uma revolução de verdade, que realmente seja transformadora. Meus amigos, será que vocês não perceberam que o que o Getúlio quer é ganhar pelas armas uma eleição que ele perdeu nas urnas.

JOÃO ALBERTO - Temos que acreditar no Osvaldo Aranha, no Flores da Cunha, no João Neves. A atitude do doutor Getúlio tem sido leal e carinhosa para conosco.

PRESTES - Isso é um crime! Como é que vou deixar, vou permitir que utilizem o meu nome para fazerem uma luta armada em que o povo vai morrer, vai haver derramamento de sangue para não modificar coisa nenhuma, para substituir uma oligarquia por outra?!...

MIGUEL - O seu manifesto, Prestes, é uma apologia ao comunismo. Defende as mesmas bandeiras do Partido Comunista.

PRESTES - Mas não vejo outra alternativa para o Brasil, Miguel.

MIGUEL - O que você quer insinuar com isso?

PRESTES - Não quero insinuar nada, Miguel, quero apenas dizer que depois de muitos estudos estou absolutamente convencido de que só o comunismo pode responder às necessidades deste país.

JOÃO ALBERTO – Então, o nosso grande companheiro e comandante está sob as ordens de Moscou?

PRESTES - Sob as ordens da consciência que adquiri estudando o marxismo. A revolução burguesa, ao invés de um bem é, na verdade, o mal maior para o Brasil. E eu sou radicalmente contra o movimento que estão fazendo.

MIGUEL - Então, Prestes, não temos mais o que conversar.

PRESTES - O que vocês querem, Miguel? Passar o governo de uns políticos para os outros? Mas será que não percebem? Epitácio foi pior que Wenceslau, Bernardes foi pior que Epitácio, Washington foi pior que Bernardes e o sucessor de Washington será pior.

MIGUEL - Vamos avançar em nossas conquistas.

PRESTES - Mas avançar como, se não vai mudar nada? É irrisório falar em liberdade eleitoral, quando não há independência econômica. É irrisório falar em educação quando se quer explorar o povo. Não se iludam, vivemos sob o jugo dos banqueiros de Londres e Nova Iorque.

JOÃO ALBERTO - Existe a revolução possível e a revolução impossível. A que queremos fazer é a possível, a sua é impossível, Prestes. Você é que não quer perceber. Não há em nenhum de nós a mais ligeira inclinação para a doutrina comunista. E tenho certeza de que o Juarez também pensa assim.

PRESTES - Juarez é um carola, retrógrado, um falso revolucionário.

MIGUEL - E por que fazer exceção a nós três aqui presentes?

PRESTES - Ao que parece a diferença não é muito grande, Miguel. Vocês estão vendidos ao Getúlio e sua corja. Os mesmos que nos perseguiram na Coluna, os mesmos que mataram nossos companheiros de luta. Então, Miguel, não vejo muita diferença entre o Juarez e vocês.

SIQUEIRA - Por favor, Prestes.

PRESTES - É isso, Siqueira, vocês não estão vendo o que os cerca. Revolução!... Artur Bernardes é hoje o mais ardoroso revolucionário de Minas Gerais. Nossa revolução, ou pelo menos a minha revolução é outra, é junto com o proletariado, contra o imperialismo inglês e americano. Revolução para mim ou transforma radicalmente a sociedade ou não passa de troca de tiros e favores, de oportunidades e oportunismos. Vocês vêm comigo?

Antônio Siqueira Campos

UM SILÊNCIO. ELES SE OLHAM. SAEM. PRESTES FICA UM TEMPO SOZINHO. SIQUEIRA CAMPOS VOLTA.

SIQUEIRA - Tudo o que vocë falou, faz sentido. Mas ainda tenho dúvidas.

PRESTES - Eu também tinha, Siqueira. Foi o marxismo que me apontou o caminho a seguir.

SIQUEIRA - Não posso admitir a luta continuar sem você.

PRESTES - Não fui eu quem os abandonou.

SIQUEIRA - Eu... quer dizer, nós...

PRESTES - Venha comigo, Siqueira.

SIQUEIRA - Por que você não vem com seus amigos?

PRESTES - Não posso. Será que você não compreende? Como vai marchar com Bernardes, Siqueira? Vai participar de um movimento com Epitácio, Borges de Medeiros?... Com toda essa cambada?

SIQUEIRA - São os primeiros que eu fuzilo.

PRESTES - Eles é que vão te fuzilar. Qual é a força que você tem? Estão todos do lado do Getúlio... Eles é que vão te fuzilar se você quiser continuar a fazer alguma coisa mesmo.

SIQUEIRA - É o caminho para dar o primeiro passo, podemos levar a revolução adiante.

PRESTES - Eles te fuzilam antes. Porque eles vão fazer a política da oligarquia gaúcha, a política deles, o que eles quiserem. E ninguém vai falar nada.

SIQUEIRA - Eu não consigo aceitar as teses que você aceita.

PRESTES - Leu os livros que te dei?

SIQUEIRA - Não.

PRESTES - É por isso que não pode aceitar.

SIQUEIRA - Me dá quinze dias. Não publica seu manifesto senão daqui a quinze dias...

PRESTES - Quinze dias?

SIQUEIRA - É só o que peço, em nome da nossa amizade.

PRESTES - Em nome da nossa amizade... quinze dias...

OS DOIS SE OLHAM. SIQUEIRA SAI. NOS AUTOS FALANTES SURGE A VOZ DE UM LOCUTOR. PRESTES ESCUTA, ABSOLUTAMENTE CONSTERNADO.

LOCUTOR - “O cadáver de Siqueira Campos entrou na sua pátria como se, vivo, ele fosse um triunfador. A morte anistiou-o. E seus despojos foram recebidos com as glorificações que não pudera alcançar o herói ainda de pé, vibrante no entusiasmo de sua causa, admirável na pugnacidade de seu espírito”

PRESTES ENGOLE UMA LÁGRIMA DOÍDA PELA PERDA DO AMIGO. OLHA O MANIFESTO QUE TEM ÀS MÃOS E COMEÇA A LER.

PRESTES - “Ao proletariado sofredor das nossas cidades, aos trabalhadores oprimidos das fazendas e das estâncias, à massa miserável do sertão e muito especialmente aos revolucionários sinceros, aos que estão dispostos à luta e ao sacrifício em prol da profunda transformação por que necessitamos passar, são dirigidas estas linhas”.

Greve Geral, São Paulo, Estado de São Paulo, 1919

SURGE LEOCÁDIA. PRESTES PERCEBE SUA PRESENÇA.

PRESTES - Mãe...?

LEOCÁDIA - Você está bem, Carlos?

PRESTES - Estou, sim.

LEOCÁDIA - Está?

PRESTES - Claro. Não é nada. Só um pouco cansado.

LEOCÁDIA - Não adianta tentar esconder de mim. Te conheço muito bem, e sei quando uma coisa te incomoda.

PRESTES - É verdade, não se preocupe.

LEOCÁDIA - O mundo dá muitas voltas e é nessas voltas que a gente conhece as pessoas, os amigos.

PRESTES - Eles fizeram o que acharam correto.

LEOCÁDIA - E o que você pretende fazer agora?

PRESTES - Ainda não sei.     

LEOCÁDIA - O presidente Getúlio garantiu que você pode voltar ao Brasil.

PRESTES - O que o Getúlio quer é me comprar e eu não me vendo.

LEOCÁDIA - Parece que é sincero da parte dele. A anistia atinge a todos os revolucionários.

Octávio Brandão discursando

PRESTES - Sincero, coisa nenhuma. Getúlio acabou de expulsar o Octávio Brandão do país. Ele e a família estão sobrevivendo graças ao Socorro Vermelho. Então, mãe, não tem anistia nenhuma. E se eu tenho as mesmas idéias do Brandão, por que seria diferente comigo? Não me curvo ao Getúlio. Não sou nenhum Juarez ou João Alberto.

LEOCÁDIA - E vamos continuar morando aqui em Buenos Aires?

PRESTES - Recebi um convite para trabalhar na União Soviética. Mas só irei se puder levar vocês comigo.

LEOCÁDIA - Claro. Tenho certeza que suas irmãs vão gostar.

PRESTES - (DEPOIS DE UM SILÊNCIO) Será que o Siqueira também ficaria contra mim?

LEOCÁDIA - Ele o admirava muito...

PRESTES - Todos bandearam para o lado do Getúlio.

LEOCÁDIA - Você ficou calado muito tempo. Permitiu que usassem e abusassem do seu nome e seu prestígio como bem lhes conviesse. Então, quando você resolveu falar, todos se assustaram com suas posições. Até mesmo o Partido Comunista, que já te convidou a candidatar-se à Presidência da República, hoje está contra você.

PRESTES - Eu subestimei a luta de classes, mãe. O Partido está certo, sim. Eu é que, por muito tempo acreditei que ia fazer revolução sozinho, mas revolução não é obra de um. Foi isso que percebi: o prestismo não faz revolução. Só há uma maneira de se promover a luta de classes: sob a liderança do Partido Comunista e só ele pode liderar a verdadeira revolução no Brasil.

LEOCÁDIA - Se te aceitarem em seus quadros.  

PRESTES - Eu reconheço a justeza de sua linha. Vamos para a União Soviética, mãe, eu preciso aprender o marxismo-leninismo, pois foi nele que o proletariado se apoiou para tomar o poder em 17. O resto... o resto é barulho...

Luiz Paixão é diretor de teatro, dramaturgo, poeta e escritor

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