PRESTES - FINAL - Ato nº8 - Luiz Paixão
Luiz Carlos Prestes - Cavaleiro da Esperança - foto 1979
PRESTES - Ato nº 8 - FINAL
Dramaturgo Luiz Paixão
UM HOMEM, GREGÓRIO BEZERRA, SURGE EM CENA, ARRASTADO EM CORDAS AMARRADAS NO PESCOÇO POR TRÊS POLICIAIS, DOIS PUXANDO PELA FRENTE E UM POR TRAZ. GREGÓRIO ESTÁ SEMI-NU, JÁ FRACO DE TANTO APANHAR. ALGUNS TRANSEUNTES ASSISTEM AO SÁDICO CORTEJO.
O comunista revolucionário Gregório Bezerra - foto 1964
POLICIAL - Este é o bandido comunista Gregório Bezerra! Estava planejando incendiar o bairro e matar todas as crianças! Agora, vai ser enforcado na praça! Venham assistir!
UMA MULHER NÃO RESISTE COM TANTA CRUELDADE E CHORA.
POLICIAL - Você está chorando por este bandido? Vou te dar mais motivos para chorar de verdade! (ESPANCA GREGÓRIO) Este é o tratamento que damos aos comunistas!
CORTEJO CONTINUA ATÉ DESAPARECER EM CENA. ABRE LUZ EM MARIA E PRESTES.
Capa da revista "Realidade", publicada após o Golpe Militar e Civil de 1964
PRESTES - Não sei por quanto tempo terei que desaparecer, Maria. Se a reação me encontrar me mata.
MARIA - Se isso significa sua segurança...
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PRESTES - Tenho que voltar para a clandestinidade absoluta. Esse o nosso último encontro. Não sei quando nos encontraremos outra vez. |
MARIA - Vou sentir sua falta...
PRESTES - Me preocupo com você, com as crianças. Eu não queria isso para vocês. Talvez tenha sido um erro ter tido tantos filhos.
MARIA - Não fale assim.
PRESTES - Talvez tenha sido nosso erro. Um comunista precisa pensar em tudo e eu não pensei...
MARIA - Jamais repita uma coisa dessas. Eu e as crianças te amamos como você é.
PRESTES - Nós nunca nos separamos e agora você não vai saber onde estarei. Vão ser momentos difíceis...
MARIA - Pedro, na minha infância e na juventude, vivi momentos muito mais difíceis do que esse. Ao seu lado nada é difícil.
PRESTES - Tenho que ir.
MARIA - Eu quero que saiba de uma coisa: é pior a solidão de quem não conhece o sentimento revolucionário que nos uniu.
Página da revista REALIDADE de dezembro de 1968. Na foto com meus filhos: Yuri Alexandre e Mariana, por mim abraçados; Zoia de branco; à direita de o Luiz Carlos e Ermelinda; na última fileira Antônio João e Rosa. Não estão na foto o Pedro e o Paulo Roberto.
MARIA SAI. PRESTES FICA SOZINHO. SUA LUZ FICA EM RESISTÊNCIA. ELE ASSISTE A TODAS AS CENAS QUE SE SEGUEM. ABRE LUZ NUM HOMEM EM UMA CADEIRA, ENCAPUZADO, DOIS GUERRILHEIROS ARMADOS AO LADO DELE. UM DELES LÊ O FINAL DE UM MANIFESTO.
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GUERRILHEIRO - “A vida e a morte do Senhor Embaixador estão nas mãos da ditadura. Se ela atender a duas exigências, o senhor Burke Elbrick será libertado. Caso contrário, seremos obrigados a cumprir a justiça revolucionária. Nossas duas exigências são: - a libertação de 15 prisioneiros políticos; - a publicação e leitura desta mensagem, na íntegra, nos principais jornais, rádios e televisões de todo o país. Os 15 prisioneiros devem ser conduzidos em avião especial até um país determinado - Argélia, Chile e México - onde lhes seja concedido asilo. Contra eles não deverá ser tentada qualquer represália, sob pena de retaliação. A ditadura tem 48 horas para responder publicamente se aceita ou rejeita nossa proposta. Se a resposta for positiva, divulgaremos a lista dos 15 líderes revolucionários e esperaremos 24 horas por sua colocação num país seguro. Se a resposta for negativa ou se não houver nenhuma resposta nesse prazo, o senhor Burke Elbrick será justiçado. Queremos lembrar que os prazos são improrrogáveis e que não vacilaremos em cumprir nossas promessas. Agora é olho por olho, dente por dente. Ação Libertadora Nacional (ALN), Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8)” |
FECHA LUZ. SURGE MARIGHELLA E APROXIMA-SE DE PRESTES.
O comunista revolucionário Carlos Marighella
MARIGHELLA - Ou resistimos ao golpe de 1o. de abril ou nos conformamos com ele. E o conformismo, companheiro, é a morte.
PRESTES - A resistência deve se dar através da resistência das massas.
MARIGHELLA - Só há um tipo de resistência: a luta armada contra a ditadura.
PRESTES - Aventura!
MARIGHELLA - Coerência! A violência justa contra a violência injusta. O que está em jogo é a utilização, na mais ampla escala possível, de formas de luta de resistência de massas.
PRESTES - Resistência de massas, só que sem massas. Vocês estão substituindo as massas, companheiro. O Partido já cometeu o mesmo erro.
MARIGHELLA - O Partido está sempre cometendo erros. Às vésperas do golpe você afirmou que “se a reação levantar a cabeça, nós a cortaremos de imediato”. Só que deram o golpe, mataram, continuam matando companheiros, e o Partido não fez nada.
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PRESTES - Estávamos e estamos despreparados no campo político, ideológico e prático. E, nesse momento estamos fazendo essa autocrítica a fim de traçar uma política acertada. Não escondemos nossos erros e nem caímos no negativismo. |
MARIGHELLA - Não há mais possibilidades da via pacífica, camarada. É urgente, e essa é nossa estratégia, partir diretamente para a ação, para a luta armada.
PRESTES - Será que você não percebe que todas essas organizações vão para o atoleiro?
MARIGHELLA - O que você e o Partido propõem?
PRESTES - Organizar e mobilizar. Temos que fazer uma frente contra a ditadura, pois ela não vai durar muito tempo.
MARIGHELLA - Porque será derrubada antes de amadurecer.
PRESTES - Sem a organização do proletariado?
MARIGHELLA - Eu tenho pressa.
PRESTES - Cuidado para não comer cru.
MARIGHELLA - Eu não quero viver de joelhos.
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PRESTES - Precisamos buscar novas formas de educação de quadros, ampliar a atividade de agitação e propaganda. A luta armada exige acumulação de forças e esta precisa se realizar através de todas as formas de luta de massas. Sem uma base de massas, organizada e combativa o movimento armado não terá condições para eclodir ou ficará demasiado vulnerável diante do inimigo. |
MARIGHELLA - O contraste de nossas posições políticas e ideológicas é muito grande e existe entre nós uma situação insustentável.
PRESTES - Vocês estão dando armas para o inimigo. A violência deles vai ser maior e os militares vão se justificar perante a opinião pública. Eles vão endurecer.
MARIGHELLA - E nós vamos resistir.
PRESTES - Até quando?
MARIGHELLA - Até a vitória! A luta de guerrilhas sempre foi um instrumento de libertação.
PRESTES - Não afirmei o contrário. Mas e as condições subjetivas?
MARIGHELLA - Elas serão criadas pelo próprio movimento.
PRESTES - A luta armada vai ficar à margem do movimento comunista.
MARIGHELLA - Meu camarada, com essas posições e essa política reformista, o Partidão é que está à margem do movimento comunista. (VAI SAINDO)
PRESTES - Marighella? Boa sorte, companheiro.
Denúcia da prática de tortura no Brasil após o Golpe Militar e Civil de 1964
MARIGHELLA SAI. APENAS UM FOCO EM PRESTES. ABRE: UM REVOLUCIONÁRIO TODO ARREBENTADO. DOIS TORTURADORES, UM DELES É O DELEGADO SÉRGIO PARANHOS FLEURY.
TORTURADOR - Você sabe quem matou Fujimori?
GUERRILHEIRO - Fleury.
TORTURADOR - Você sabe quem matou Bacuri?
GUERRILHEIRO - Fleury.
TORTURADOR - E “O Velho”, Joaquim Câmara Ferreira?
GUERRILHEIRO - Fleury.
TORTURADOR - E Marighella?
GUERRILHEIRO - Fleury.
TORTURADOR - Sabe quem é esse?
GUERRILHEIRO - Com certeza algum gorila da ditadura.
Matéria sobre a captura e morte do revolucionário Carlos Lamarca
FLEURY TIRA UMA CARTEIRA DO BOLSO E ENTREGA AO TORTURADOR QUE MOSTRA AO GUERRILHEIRO. O GUERRILHEIRO ESFRIA AO LER O NOME E COMPARAR A FOTO.
TORTURADOR - Diga o nome.
GUERRILHEIRO - Fleury...
FLEURY - Só vou perguntar uma vez: onde está Lamarca?
FECHA LUZ NELES. UM OUTRO FOCO ABRE NUM GUERRILHEIRO, NO ARAGUAIA.
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GUERRILHEIRO - As forças guerrilheiras do Araguaia apelam a todos os habitantes do Pará, Goiás, Maranhão e Mato Grosso para que intensifiquem sua ajuda aos combatentes da selva e criem toda sorte de dificuldades para as tropas federais... Apelam igualmente para a maioria da nação Brasileira, oprimida e espoliada, vivendo sob feroz ditadura fascistas. É preciso multiplicar as ações de massa, nas cidades e no campo, contra o regime sanguinário dos militares, contra o entreguismo e a fome. Que todos apoiem e divulguem a luta sustentada no Araguaia. |
FECHA FOCO NO GUERRILHEIRO. ABRE EM UMA MULHER QUE FALA DIRETAMENTE PARA O PÚBLICO.
MULHER - ... depois que me prenderam, me levaram para um lugar que eu não sabia onde era e me bateram muito, eu estava completamente nua e me aplicaram choques elétricos em várias partes do corpo... me penduraram no pau-de-arara e me bateram mais ainda... acho que desmaiei pois quando dei por mim estava em uma cela, onde um médico me examinava e disse que podiam continuar com a tortura... e eles continuaram... me batendo... me batendo... me batendo... e gritando nos meus ouvidos... eles queriam que eu denunciasse os companheiros... queriam saber de tudo: codinomes, aparelhos, pontos... tudo... e quanto mais eu gritava que não sabia, mais eles me batiam... ameaçaram torturar minha filha de dez anos... eles afirmavam que sabiam de tudo, só queriam a confirmação... na cela, eu não conseguia dormir... todo o meu corpo doía, doía muito... eu estava muito fraca... deitada no chão... foi quando apareceu um outro torturador que eu ainda não conhecia e disse que com ele eu ia confessar tudo... então tirou sua roupa e me estuprou... eu não tinha forças para resistir... depois ele pegou um cassetete e... e...
A MULHER NÃO CONSEGUE CONTINUAR. ABRE LUZ GERAL. UM GRUPO ENTRA CARREGANDO UMA FAIXA COM OS DIZERES: ANISTIA: AMPLA, GERAL E IRRESTRITA! CARTAZES, BANDEIRAS DO PCB. A MULHER JUNTA-SE AO GRUPO, QUE ENTOA EM CORO A PALAVRA DE ORDEM: DE NORTE A SUL, DE LESTE A OESTE, O POVO TODO GRITA: VIVA LUIZ CARLOS PRESTES! PRESTES É CARREGADO PARA UM PALANQUE IMPROVISADO. 20 DE OUTUBRO DE 1979.
Chegada de Luiz Carlos Prestes no Rio de Janeiro após 9 anos de exílio da URSS
PRESTES - Vejo a luta pela democracia em nossa Terra como parte integrante da luta pelo socialismo. A conquista da anistia é um dos momentos políticos mais altos atingidos pelo movimento popular e democrática de oposição à ditadura. A ditadura já não faz o que quer como bem entende. Assim como não queria a Anistia e foi obrigada a marchar em sua direção. E temos que lutar agora pela sua ampliação, pois ainda é discriminatória. Temos que lutar para que o governo assuma o que aconteceu com os sequestrados e desaparecidos do nosso partido. Se estão mortos queremos que as mortes sejam assumidas e os restos mortais devolvidos às famílias. Na luta contra a ditadura foram assassinados 10 membros do Comitê Central do PCB: David Capistrano da Costa, Elson Costa, Itair José Veloso, Jaime Miranda Amorim, João Massena Mello, Hiran Lima Pereira, Luís Inácio Maranhão Filho, Nestor Veras, Orlando Bonfim Júnior e Walter Ribeiro e, ao mesmo tempo, temos que lutar pela revogação da atual Lei de Segurança Nacional, pela supressão do aparato repressivo montado pela ditadura, pela liberdade de manifestação e de organização e sindical, pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte.. Pela legalização do Partido Comunista Brasileiro!
APLAUSOS FRENÉTICOS. O CORO ENTOA: É FORÇA, AÇÃO, AQUI É O PARTIDÃO! - DE NORTE A SUL, DE LESTE A OESTE, O POVO TODO GRITA: VIVA LUIZ CARLOS PRESTES! A LUZ CAI SOBRE A CENA. ABRE EM PRESTES E MARIA.
Luiz Carlos Prestes e Maria na casa de Shows "Canecão", Rio de Janeiro, década de 1980
MARIA - Cansado?
PRESTES - Um pouco.
MARIA - Quer alguma coisa?
PRESTES - Não, obrigado. Só descansar.
MARIA - Sei que não adianta falar, mas vou falar assim mesmo...
PRESTES - Eu não tenho mais idade!?
MARIA - Isso mesmo.
PRESTES - Eu gosto dos meus netos.
MARIA - Sei disso. Mas não pode brincar com eles como se você fosse um menino de vinte anos. Você sabe que criança não tem limite.
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PRESTES - Eles me rejuvenescem. Eles... Eu não sei... Eu sou acusado de ser um homem que não tem amigos. Em 30, eu também fiquei isolado. Perdi todos os meus amigos. Um a um. Em 56, quando rompi com os que se opuseram às críticas ao culto da personalidade; em 67, com os que se iludiram com a luta armada; em 80, rompi com o Partido. Um homem sem amigos. Mas eu tenho os meus netos, essa foi a maior riqueza que acumulei na vida, e isso ninguém vai tomar de mim, porque isso é impossível de se destruir. Meus netos, meus filhos, minha família... |
ABRE FOCO DO PASSADO NUM DIRIGENTE COMUNISTA.
DIRIGENTE - As atitudes do camarada têm sido de rompimento com a disciplina partidária, com o centralismo democrático.
PRESTES - Não sou conivente com o Comitê Central.
DIRIGENTE - Todas as divergências de opinião entre os comunistas são resolvidas em discussões democráticas, organizadas segundo os nossos princípios.
PRESTES - O problema é que vocês têm maioria e não querem discutir nada.
DIRIGENTE - E, sendo minoria, o companheiro não quer ser derrotado em suas posições?
PRESTES - Nós estamos diante de uma questão de princípios.
DIRIGENTE - Por que o camarada não participa das reuniões para expor suas divergências?
PRESTES - Diante de questões de princípios, não pode haver transigência.
DIRIGENTE - O camarada está usando do seu prestígio pessoal para criar uma crise no Partido.
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PRESTES - Meu prestígio pessoal foi conquistado com o compromisso que tenho com a classe operária. Todos sabem que nunca traí e nem trairia a causa comunista. E essa frente democrática proposta pelo comitê central é traição à classe operária. |
DIRIGENTE - O momento político exige uma frente ampla para liquidar com a ditadura definitivamente.
PRESTES - Ilusão. Ilusão de classe. Democracia burguesa é uma coisa e outra, diferente, bem diferente, é a democracia socialista. O CC quer uma frente que abarque os monopólios nacionais, só que esses monopólios estão ligados às multinacionais.
DIRIGENTE - A contradição fundamental hoje é entre o povo e o imperialismo.
PRESTES - Não! A contradição fundamental numa sociedade capitalista é entre o proletariado e a burguesia.
DIRIGENTE - O VII Congresso do Partido poderá sanar todas as nossas divergências. E acho que o companheiro deveria participar, assumir seus erros e caminhar junto com o Partido.
PRESTES - O VII Congresso vai ser um congresso de cartas marcadas.
DIRIGENTE - O camarada não quer discutir. Não tenho mais o que fazer aqui. (VAI SAINDO. VOLTA-SE) Só mais uma pergunta: se algum outro membro do Comitê Central tivesse as mesmas posições e publicasse um documento como a sua Carta aos Comunistas. Qual seria a sua posição, diante dessa indisciplina?
PRESTES - Expulsaria o companheiro do Partido.
O DIRIGENTE SAI. VOLTA LUZ EM MARIA, NO PRESENTE.
MARIA - O que você falou?
PRESTES - Eu rompi com o Partido. E não me arrependo.
MARIA - Eu sei disso, Pedro.
Capa do manifesto de Luiz Carlos Prestes: CARTA AOS COMUNISTAS - 1980
PRESTES - Na minha Carta aos Comunistas, rompi com tudo. Qualquer pessoa que queira me fazer justiça há de compreender que, na minha idade, iniciar uma luta da envergadura da que estou travando só pode ser por uma questão de consciência política, de dignidade pessoal e de compromisso com a classe operária brasileira e internacional.
MARIA - As pessoas sabem e compreendem.
PRESTES - Para mim, era muito mais cômodo ficar hoje como secretário-geral, com todas as facilidades, vivendo no Brasil sem ter que me preocupar com nada. Era muito mais fácil ficar calado, era muito melhor pessoalmente. Mas eu não posso ir de encontro à minha consciência. Não podia mais compactuar.
MARIA - Você saiu por livre e espontânea vontade
PRESTES - É... o Partido não me expulsou... O importante é a posição política, Maria. A posição política.
MARIA - Sua decisão de abandonar o PCB foi um ato de coragem. E, pode ter certeza, Pedro, estou do seu lado, como sempre estive.
PRESTES - Maria, ser amigo é muito difícil. Ter um amigo verdadeiro é algo de muito sério e raro. Sofri muitas decepções... mas depois passei a não sofrer mais... o Engels dizia, “já estou com o couro muito grosso para sofrer com as alfinetadas da vida”... Sabe, Maria, no final de minha vida eu gostaria de ser como uma borboleta, que representa a velhice da larva...
FOCO EM HÉRCULES CORREA.
Livro de Hécules Corrêa
HÉRCULES - As borboletas morrem dando cabeçadas.
FOCO EM AGILDO BARATA.
AGILDO - ... um líder popular a quem muita gente atribui uma característica que ele nunca possuiu: a de ser um líder marxista, um pensador filiado filosoficamente ao marxismo, ou seja, ao materialismo dialético.
Livro de memórias do revolucionário Agildo Barata
FECHA EM AGILDO. ABRE NUM BUROCRATA SOVIÉTICO.
SOVIÉTICO - O que este camarada deseja? Será que ele não está sonhando? Ele não se encontra na União Soviética? Nós não estamos lhe garantindo tudo? Transmitam a ele que aproveite seu tempo para viajar pelos países socialistas e conhecer profundamente nossa realidade. Brejnev está muito ocupado para pensar no Brasil, um país tão distante como insignificante.
FECHA FOCO. ABRE NUM DIRIGENTE DO PT.
DIRIGENTE - Se o companheiro Prestes quer entrar no Partido dos Trabalhadores, deve fazer como todo mundo: filiar no diretório de sua zona eleitoral, militar, crescer e provar para as suas bases que tem ideias compatíveis com os interesses dos trabalhadores.
FECHA FOCO. FICA APENAS UMA LUZ TÊNUE EM PRESTES. OUVE-SE A VOZ DE UM LOCUTOR.
Luiz Carlos Prestes
LOCUTOR - Morreu hoje, 07 de março de 1990, às 3 e meia da madrugada, de leucemia aguda, o líder comunista e ex-Secretário Geral do Partido Comunista Brasileiro, Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança. Seu corpo será velado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e sepultado no Cemitério São João Batista, num mausoléu doado pela Santa Casa de Misericórdia.
UM FOCO EM PRESTES E MARIA, SENTADOS, LADO A LADO. OS DOIS VOLTADOS PARA UM PONTO FIXO, À FRENTE, SEM SE OLHAREM. PRESTES ESTÁ NA MESMA POSIÇÃO DA ABERTURA DA PEÇA. OS PRIMEIROS ACORDES DE “A INTERNACIONAL” SE FAZEM OUVIR. A MÚSICA SUBLINHA TODO O TEXTO.
MARIA – Para mim, uma pobre representante dos camponeses deserdados do Nordeste, é fascinante saber que entre os astros que estão em movimento no infinito da história está o homem que com seu carinho e paixão fez minha vida atravessar esse labirinto de imprevistos. Não foi a sorte que nos protegeu como um passe de mágica. No meio desse fogo centrado sobrevivemos, porque como ninguém soubemos amar a vida como ela é.
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PRESTES - Um dia, quando a humanidade construir uma sociedade igualitária, todos terão liberdade para fazer qualquer coisa. Quem quiser fumar maconha, vai fumar. Homem que quiser casar com homem, vai casar. Quem desejar morar em outro planeta, vai morar, como quem quiser resgatar os valores humanitários e viver sua ideologia assim o fará. Mas essas coisas virão sem repressão religiosa, policial ditatorial ou política. Nessa época a humanidade estará livre dos preconceitos que infernizam sua trajetória. Quem sabe sou o último comunista no Brasil, na América Latina e no mundo. Não tem importância. Como comunista morrerei convicto de que só há uma possibilidade para salvar a humanidade da miséria e da fome - socializando os meios de produção, colocando-os a serviço da sociedade. Se o socialismo real errou, isso não significa que o capitalismo acertou. Ninguém vai tirar de mim o direito de ser comunista, marxista-leninista e revolucionário. Os que são frouxos que abram mão de seus ideais. |
“A INTERNACIONAL” SOBE. PRESTES CONTINUA TRANQUILO, SÓBRIO, OLHANDO O PÚBLICO. SUAVEMENTE, MARIA SEGURA A MÃO DELE. ELE OLHA PARA ELA. UM CARINHOSO SORRISO DOS DOIS. ELE VOLTA O OLHAR PARA O PÚBLICO. A LUZ VAI CAINDO LENTAMENTE, ATÉ A ESCURIDÃO FINAL, ENQUANTO “A INTERNACIONAL” ENCHE O TEATRO DE ESPERANÇAS E POSSIBILIDADES.
Luiz Paixão é diretor de teatro, dramaturgo, poeta e escritor
Venha Catetear!
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Livro: "O Heroísmo Trágico do Século XX - O destino de Luiz Carlos Prestes" de Boris Koval
PRESTES - O CAVALEIRO DA ESPERANÇA
Obra do dramaturgo Luiz Paixão em 8 capítulos!