Memórias de uma Janela
Memórias de uma Janela
Por Márcia Heliane Gomes
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Nesse tempo de primeira infância passei horas inventando enredos da janela da sala dessa casa, que dava para a rua. Dali via a ‘vó Guimá’, sentada na soleira da porta, fazendo toalhas e colchas de crochê para vender e sempre me chamava para comer um pedacinho da broa que acabava de tirar do forno. Saía para comer a broa e gostava de descer a rua, olhando as pedras, escolhendo em qual pisar com minhas sandalinhas brancas, meu vestido de algodão e minhas fitas de cetim prendendo meu cabelo. |
Sobrado Encantado - Foto: Márcia Gomes
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E, de tanto ficar nessa janela, todas as tardes, Dona Regina me chamou para colocar os dedos naquele piano que eu olhava tanto. Elogiou meus dedos compridos e magros, prontos para tocar bem aquele instrumento. Me colocou assentada naquele banco fino e meus dedos dedilhavam, a cada dia, com mais vontade e rapidez as teclas pretas e brancas. Foi minha professora de piano. Sentia de perto aquele som que eu gostava tanto e que ouvia de longe. O sobrado – grande demais, soberbo demais, chique demais, passou a ser minha guarita de quase todas as tardes. E, já não era mais tão grande assim. Tão soberbo assim. O conheci por dentro, desvendei seus quartos e a varanda de onde contemplava o final da tarde na Serra de São José. Voltava para casa cheia de som do piano, de sol do fim de tarde, de cheiro do perfume da Dona Regina, da felicidade de estar naquele sobrado. Com meus seis anos, mudamos para a nossa casa na Praça das Mercês, casa que meu pai construiu para abrigar minha família, onde nasceram meus dois irmãos mais novos. E, lembro-me bem quando eles chegaram. Mas, continuei subindo a rua quase todas as tardes para dedilhar o piano da Dona Regina. Cresci, estudei piano por oito anos, mas não consegui ser uma pianista. Nunca pude comprar um piano. |