A um leitor anônimo de Eliana Calixto

A um leitor anônimo de Eliana Calixto

A UM LEITOR ANÔNIMO

Por Eliana Calixto

 

Certo dia eu voltava do centro da cidade. Entrei no metrô na Cinelândia e logo uma simpática e jovem senhora levantou-se e ofereceu-me o seu lugar. Tentei recusar, mas a moça foi irredutível. Lamentavelmente eu já me encontro naquela idade em que os jovens se obrigam a nos ceder os seus lugares, por mais que não o queiramos. Bem, sentei-me ao lado de um jovenzinho (filho dessa senhora), que depois me disse ter 10 anos de idade. Começamos a conversar, visto que o menino me perguntara se eu estava vindo do trabalho.

Respondi que não, que havia ido à cidade resolver assuntos referentes ao livro que eu iria lançar dali a dois dias. O menino sorriu e perguntou que tipo de livro eu estaria lançando.

Poesias! – Respondi.

- Hum, poesia é? Adoro poesia! Diz uma poesia do teu livro!

Abri o arquivo do livro no celular e mostrei ao menino um Haicai:

dia de verão

o guarda-sol colorido

enfeita a menina

- Lindo! Adorei! Você escreve pra criança?

Aquela pergunta me fez estremecer.

 – Infelizmente não - respondi...

– Ah, que pena!

- Mas vou pensar nisso. Quem sabe um dia eu escreva algo que interesse às crianças?

O menino desceu na estação seguinte e eu nem tive tempo de perguntar seu nome.

- Boa sorte e sucesso com seu livro - disse o garoto.

Passou o tempo e eu meio que esqueci esse fato. Um dia desses, conversando com o Accioly, um amigo que eu não via há algum tempo, comentei que havia lançado um livro de poesias e ele pediu que mostrasse algum poema. Mostrei o ‘Eternidade’. Ele gostou muito do poema e disse: Quer uma sugestão? Por que não transforma Eternidade em uma história infantil?

Era a segunda vez que me sugeriam escrever para crianças. Decidi não adiar mais esse projeto.

Sou muito grata ao meu amigo Accioly pela sugestão e até pedi a ele que escrevesse o Prefácio do livro. Mas... e o menino? Como poderei agradecer se nem seu nome eu sei? Onde encontrá-lo?  Puxa, ele não me deu nenhuma dica, não disse o nome da escola em que estuda, não me deu seu email e muito menos seu endereço no Facebook, para que eu pudesse localizá-lo.

Tomara que este livro chegue um dia às suas mãos. Certamente ele vai lembrar da poeta que conheceu no metrô. E talvez lembre que me pediu que escrevesse um livro que ele gostasse de ler.

Caso ele leia este livro, quero que saiba que sou imensamente grata a ele. Uma das coisas que mais me comove é ouvir uma criança dizer que gosta de poesia.

A esse amiguinho anônimo, minha admiração e eterna gratidão. Gostaria que soubesse que eu não demorei quase nada para atender ao seu pedido. Fiz isso rapidinho, antes que ele se transformasse nesses adultos complicados, que passam a maior parte do dia com os olhos grudados no celular e andam pelas ruas totalmente abstraídos do seu entorno, deixando passar completamente despercebidas pessoas maravilhosas, que poderiam até se tornar parte integrante da sua vida, se tivessem se permitido levantar os olhos por uns instantes...

Escrevi este livro para ele e para outras crianças antes que se transformem nesses adultos, que por não saberem usar o celular no limite da sua real utilidade, jamais teriam tempo para ler um livro de poesias.

Observação:

Este texto lido pela atriz Clícia Zoé Brandão, no lançamento de Eternidade, a fantástica viagem de Nina, em agosto de 2015, no Solar das Palmeiras.

Eliana Calixto é médica, poeta, cronista, contista, ensaísta e palestrante. Autora de catorze livros, publicados. Membro Titular da União Brasileira de Escritores (UBE); da Academia Brasileira de Médicos Escritores (ABRAMES); da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil (AJEB); da Academia Brasileira de Medalhística Militar (ABRAMMIL) e do PEN Clube do Brasil.