Alegria em face de uma súbita decepção

Alegria em face de uma súbita decepção

(Tradução de um poema de Rumi a partir da versão em inglês de Coleman Barks)

 

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ALEGRIA EM FACE DE UMA SÚBITA DECEPÇÃO

 

Tudo o que acontece, acontece por uma necessidade,

uma agonia lancinante, um desejo que dói.

 

A dor de Maria fez o bebê Jesus.

Seu útero abriu os próprios lábios

e pronunciou o Verbo.

 

Cada parte sua tem uma linguagem secreta.

Suas mãos e seus pés relatam o que você fez.

 

E cada necessidade gera o que é necessário.

A dor gera sua cura como uma criança.

 

A falta de recursos gera provisões.

Faça uma pergunta difícil,

e a resposta maravilhosa aparece.

 

Construa um navio, e haverá água

para ele flutuar. O bebê com sua garganta sensível

chora, e o leite vem do peito da mãe.

 

Tenha sede da água definitiva,

e então esteja pronto para o que

será derramado pela primavera.

 

Certa vez, uma aldeã caminhava perto de Maomé.

Ela pensava que ele era somente um analfabeto comum.

Não acreditava que era um profeta.

 

Ela carregava no colo um bebê de dois meses.

Quando se aproximou de Maomé, o bebê virou

e disse: “Que a paz esteja contigo, mensageiro de Deus”.

 

A mãe gritou, surpresa e furiosa:

“O que você está dizendo,

e como é que de repente está falando?”

 

O bebê respondeu: “Deus me ensinou primeiro,

e depois, Gabriel”.

 

“Quem é Gabriel? Não vejo ninguém”.

 

“Ele está acima da sua cabeça,

mãe. Vire. Ele tem me falado muitas coisas”.

 

“Você o vê mesmo?”

 

“Sim. Ele está continuamente

me libertando desse estado degradado

e me elevando ao sublime”.

 

Maomé, então, perguntou à criança:

“Qual é o seu nome?”

 

“Abdul Aziz, servo de Deus,

mas esta família pensa que eu estou

preocupado com as energias do mundo.

Eu sou tão livre delas quanto a verdade

da sua profecia”.

 

Assim o pequeno falou, e a mãe

respirou uma fragrância que a permitiu

se render àquele estado.

 

Quando Deus concede esse conhecimento,

pedras inanimadas, plantas, animais, tudo

se enche de significado revelador.

 

O peixe e os pássaros se tornam protetores.

Lembre-se do caso de Maomé e da águia.

 

Aconteceu que enquanto ele estava escutando

a esse bebê inspirado, ouviu uma voz

o chamando para rezar. Ele pediu água

para realizar as abluções. Lavou as mãos

e os pés, e assim que pegou sua bota,

uma águia a agarrou e a levou embora!

A bota virou de cabeça para baixo ao ser levantada,

e uma cobra venenosa caiu lá de dentro.

 

A águia voou em círculo e trouxe a bota de volta,

dizendo: “Minha impotente reverência por você

tornou isso necessário. Qualquer pessoa que aja de forma

tão presunçosa por uma razão jurídica deve ser punida!”

 

Maomé agradeceu a águia,

e disse: “O que eu pensei ser grosseria

era, na verdade, amor. Você levou embora meu sofrimento,

e eu fiquei sofrendo! Deus me mostrou tudo,

mas naquele momento eu fiquei preocupado por dentro.”

 

“Mas qualquer clareza que eu tenha

vem de você, escolhido!”

 

Esse esplendor que irradia

de um verdadeiro ser humano

tem grande importância.

 

Olhe com cuidado ao seu redor e reconheça

a luminosidade das almas. Sente-se ao lado daqueles

que te trazem para isso.

 

Aprenda com a história da águia

que quando o infortúnio chega

você deve agradecer imediatamente.

 

Outros podem estar dizendo: “Ah, não!”,

mas você vai estar abrindo como uma rosa

que se desfaz pétala por pétala.

 

Certa vez perguntaram a um grande xeique

o que era o sufismo.

“O sentimento de alegria

em face de uma súbita decepção.”

A águia carrega a bota de Maomé

e o salva de uma picada de cobra.

 

Não sofra pelo que não chega.

Algumas coisas que não acontecem

evitam que desastres aconteçam.

  

(In: The Essential Rumi: New Expanded Edition. HarperOne, HarperCollins, New York, NY. 2004)