Navio
O NAVIO
...minha mãe Maria contou
Como ele sabia, ninguém sabia dizer
Do canto onde dormia, saía no exato momento
Quando papai se vestia, comia macaxeira
Inhame com melado, tomava seu café
Atento, não desgrudava o olhar
Quando papai apertava o cinto, vestia o paletó
Silenciosamente ia até o portão
Como que dizia, estou pronto para acompanhar
Seguia ao lado, nem na frente, nem atrás
Até o ponto de embarque - esperava
A porta do ônibus fechar, depois vinha correndo
Latia sem parar como que dizendo, ele vai voltar
Quando batia a hora, ninguém pra acalmar
Sentava ao lado do portão, lambia as grades
Uivava, se mexia, se esfregava
Eu não podia demorar
Ele saía solene, cabeça erguida
Ciente da sua missão, chegava no ponto
Quando o ônibus parava, quando a porta se abria
Sentava, nesse momento ele era pura comichão
Somente se levantava
Depois que papai encostava a mão
Quando dizia: "Navio, Navio..."
"De quantos mares é feito seu chão?"
Após estas palavras de sempre
Se levantava, seguia os passos cansados
Como ele fazia, ninguém fazia
Navio, Navio... arretado, incangado, arrochado
Luiz Carlos Prestes Filho
Rio de Janeiro, 15/09/2021