FÁBRICA - Uma ideia de Guilherme Bauer
FÁBRICA
requíem
Uma idéia de Guilherme Bauer
Música
Guilherme Bauer
Poemas
Luiz Carlos Prestes Filho
GLÓRIA
Branca é a vela ao lado do caixão
Branca é a camisa que envolve o corpo
Branca folha de papel é a face
Onde está escrito a palavra - morto
Branco suor gosmento de toda uma vida
Transborda do caixão - invade a capela
O velório é um redemoinho
Os vermes comem as vísceras do operário
O corpo acorda desconfiado
Foi sonho, vidência, premonição?
Os olhos nada enxergam
Os olhos do operário padrão
CREDO
Surge a alvorada vermelha, vermelho é o sangue
Vermelho - o minério dentro dos vagões
As faíscas das rodas do trem são vermelhas
Escorre a alvorada pelos trilhos - artérias de aço
O operário, o passar do trem...
O fogo vermelho - vão ficando azuis
Vem o vapor do café sobre a mesa
A alvorada perde sua cor
Ônibus, macacão, máscara de metal
Máquina que todos os dias - fundição
Faz o metal escorrer pelas veias da fábrica
Vermelho - corre o sangue de aço
SANCTUS
A sirene do almoço é azul - quente
O corpo - descarrega os vagões
De dúvidas, desentendimentos
Mastiga o sonho interrompido
Pelo bater das rodas do trem
Despertador que nunca falha
Com seu som vermelho
Que desaparece após a alvorada
Bife, batata, cebola, feijão, arroz
As panelas estão queimadas
O vapor envolve essa hora
Quando o nome do operário é fome
BENEDICTUS
O impulso vermelho da alvorada acabou
Quando volta ao trabalho, dele nada restou...
Agora é só braços cansados
O desejo de voltar para cama - consome
O sonhado faz horas virou uma breve faísca
Vermelha-vermelha que aos poucos se apaga
Nada consegue ressucitá-la
No meio do massacre da fábrica
Não pode, nem deseja desistir
Seu corpo é chapa, bobina, vergalhão
Carne viva em arame, barra
Busca firmeza, trabalha
EPÍLOGO
A sirene da noite é vermelha
Vermelho é o por do sol
Nos músculos cansados o sangue
Pesado, encorpado, volumoso
Como os vagões carregados
Pelo resultado do seu trabalho
Que será vendidos em terras distantes
Valor mil vezes multiplicado
Azul agora é o passo do operário
Que confunde o bater das rodas do trem
Quais seriam aquelas que partiram?
Quais seriam aquelas que estão chegando?
AGNUS DEI
Branco é o Alto Forno
Brancos são os ganchos de aço
Branca folha de papel é a face
O operário está - morto
A branca lama - sua vida
Transborda do caixão - invade a fábrica
O velório é um redemoinho
Os vermes comem as ideias do operário
O corpo apodrece desconfiado
Vazio de sonhos, de vidências, de premonições
Ele já foi substituído
Guilherme Bauer é compositor
Luiz Carlos Prestes Filho é roteirista e diretor de filmes documentários