Barreal: a arca de Noé do vinho argentino - por Samara Portela - Sommelière
Barreal: a arca de Noé do vinho argentino
Por Samara Portela – Sommelière –
“E começou Noé a ser lavrador da terra e plantou uma vinha. E bebeu do vinho e embebedou-se; e descobriu-se no meio de sua tenda.” (Gênesis 9:20-21)
Hoje faço um convite para viajarmos ao sudoeste de San Juan, província argentina emoldurada pelos Andes, onde renasce uma zona vitivinícola com pequenos produtores que valorizam seu passado e revolucionam o panorama dos vinhos naturais. Nosso destino final é o Vale de Calingasta, terra dos huarpes, do Camino del Inca e base da expedição andina de San Martin para a libertação do Chile e do Peru. Cartão postal mais famoso do Vale, a pitoresca Barreal recebe turistas amantes da astronomia e montanhistas intrépidos aos seus picos que chegam a mais de 6 mil metros de altura, escondendo um verdadeiro tesouro: vinhas centenárias.
Há registros de vinhedos antigos ao longo de Calingasta desde meados do século XIX, mas Barreal com sua altitude de 1650 metros não seria contemplada para a viticultura até princípios de 1900, chegando ao apogeu da produção na década de 1960 e ao abandono quase total no começo dos anos 2000. Ao redor de 2010, o jovem engenheiro agrônomo Francisco “Pancho” Bugallo retornou à terra em que passara a infância justamente para buscar essas parreiras ancestrais. Ao chegar em Paraje Hilario, se surpreendeu quando não achou Malbec, e sim plantios abandonados e misturados (“field blend”) de Moscatel de Alexandria e Criolla Chica trazidas da Europa pelos jesuítas e seus cruzamentos que deram origem às criollas, as uvas autóctones argentinas como Moscatel Tinto e Torrontés. Ainda encontraria as italianas Bonarda Piemontesa e Barbera, entre tantas outras que ainda estão sendo catalogadas, com o “parral sanjuanino” como método de condução.
Para resgatar esse patrimônio histórico e os métodos tradicionais de vinificação, Pancho e sua esposa Núria Año se associaram ao casal Sebastián Zuccardi e Marcela Manini para criar o projeto “Cara Sur”, que foi o pontapé para esse novo capítulo que se escreve no Vale, um cenário idílico com chácaras e granjas, hortaliças e fruticultura que formam um ecossistema cheio de vida ao redor das videiras. O rótulo “Pérgolas”, como o nome nos indica, é elaborado com as uvas que estão plantadas nos quintais das casas dos vizinhos de Hilario, enfatizando o sentido de comunidade que é plasmado nos vinhos da região. O clima extremamente seco permite a saúde da vinha sem a utilização de fungicidas, enquanto os álamos e salgueiros da silvicultura protegem as plantas do calor, facilitando uma lenta maturação sem perder o frescor característico da zona, que tem uma das maiores amplitudes térmicas do país.
SAMARA PORTELA es una sommelière de Rio de Janeiro viviendo en Buenos Aires, se recibió en la Escuela Argentina de Sommeliers y es licenciada en Historia del Arte. Ha trabajado en el servicio gastronómico y actualmente es consultora e investigadora de la cultura del vino.
SAMARA PORTELA is from Rio de Janeiro and lives in Buenos Aires. She has a certificate from Escuela Argentina de Sommeliers, CETT Barcelona. She also has a degree in Art History. Samara worked at the El Baqueano restaurant and she is currently a consultant and researcher on wine culture.