A República Nascida Reacionária

A República Nascida Reacionária

O quadro "Pátria", pintado por Pedro Bruno, 1919: a costura da primeira Bandeira Nacional

A REPÚBLICA NASCIDA REACIONÁRIA.

Por Luiz Rodrigues Corvo

A república brasileira, cuja implantação se comemora todos os anos com o feriado de 15 de novembro, não foi proclamada pelo marechal Deodoro da Fonseca à frente de tropas sublevadas.  O anúncio público do novo regime constou, em verdade, de uma moção lida na Câmara Municipal do Rio de Janeiro pelo vereador José do Patrocínio.  Era dirigida aos “Senhores representantes do Exército e da Armada Nacional”. E anunciava que “o povo, reunido em massa na Câmara Municipal, fez proclamar, na forma da lei ainda vigente, pelo vereador mais moço, após a gloriosa revolução que ‘ipso facto’ aboliu a Monarquia no Brasil – o governo republicano”.

Deodoro da Fonseca

Conforme assinalou Laurentino Gomes, “o povo em massa reunido na Câmara Municipal’ não passava, na verdade, de meia dúzia de jornalistas e intelectuais (1). O grupo que se reunira na Câmara Municipal carioca dirigiu-se, depois, à casa de Deodoro da Fonseca. Como o marechal estava acamado, foram recebidos por Benjamin Constant, fundador do Clube Militar.  Este, após dizer que “o governo provisório saberá levar em conta a manifestação da população do Rio de Janeiro”, anunciou que no momento oportuno a nação seria consultada a respeito da troca da monarquia pela república.

Benjamin Constant

Essa consulta realmente ocorreu, mas só 103 anos mais tarde, em abril de 1993... O improviso marcou a instauração da república:  o governo provisório prestou juramente na Câmara de Vereadores do Rio, porque o parlamento estava em recesso; à falta de símbolos próprios cantaram o hino francês, a “Marselhesa”; o primeiro decreto dizia ficar “proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da Nação Brasileira a República Federativa” (grifei);  não por acaso tal decreto foi escrito nas dependências do Instituto dos Meninos Cegos...

O Segundo Império fora um período de grande desenvolvimento do Brasil. O povo brasileiro admirava D. Pedro II. O seu último grande ato – a abolição da escravatura --- fora recebido com festas em todo o território nacional. Os militares que deram o golpe de Estado instaurador da república sabiam disso – por isso deportaram o monarca e sua família do Brasil durante madrugada chuvosa, pois temiam manifestações populares de apoio ao imperador.

O Segundo Império fora um período de grande desenvolvimento do Brasil. O povo brasileiro admirava D. Pedro II. O seu último grande ato – a abolição da escravatura --- fora recebido com festas em todo o território nacional. Os militares que deram o golpe de Estado instaurador da república sabiam disso – por isso deportaram o monarca e sua família do Brasil durante madrugada chuvosa, pois temiam manifestações populares de apoio ao imperador.

Dom Pedro II perdeu o trono

O correspondente no Rio de Janeiro do jornal “Diário Popular”, de São Paulo, jornalista Aristides Lobo, foi direto ao ponto: “(...) Por ora, a cor do governo é puramente militar e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu àquilo tudo bestializado, atônico, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada. Era ym fenômeno digno de ver-se”. O embaixador da Áustria informou em relato ao seu governo que “a grande massa da população (...) ficou completamente indiferente a essa comédia encenada por uma minoria decidida”.

Política na Antiga Grécia

A república surgiu na Grécia Antiga como um sistema político em que todos os cidadãos eram chamados a participar dando a sua contribuição para o bem comum, através do desenvolvimento de alguns valores, destacadamente a justiça. O filósofo Platão dedicou a ela uma das suas obras.

Nos séculos XVII e XVIII desenvolve-se na Europa o pensamento que passou a História como Iluminismo. Na política volta-se contra os regimes absolutistas então dominantes, nos quais o soberano considerava como seus tanto os seus bens privados como os públicos. O novo movimento exige que se limitem os poderes majestáticos, impedindo o rei ou governante de se apossar da “res publica” (coisa pública, em latim). Daí a teorizarem a respeito da república e a passarem a opô-la ao absolutismo foi um passo. O emblema da vitória política do Iluminismo foi a Revolução Francesa de 1789, que pôs fim ao regime absolutista de Luís XVI.

Nos séculos XVII e XVIII desenvolve-se na Europa o pensamento que passou a História como Iluminismo. Na política volta-se contra os regimes absolutistas então dominantes, nos quais o soberano considerava como seus tanto os seus bens privados como os públicos. O novo movimento exige que se limitem os poderes majestáticos, impedindo o rei ou governante de se apossar da “res publica” (coisa pública, em latim). Daí a teorizarem a respeito da república e a passarem a opô-la ao absolutismo foi um passo. O emblema da vitória política do Iluminismo foi a Revolução Francesa de 1789, que pôs fim ao regime absolutista de Luís XVI.

O Império brasileiro não era absolutista.  A Constituição de 1824, embora outorgada por Pedro I, era uma das mais avançadas da sua época. Introduziu no país u’a monarquia constitucional. D. Pedro II jamais permitiu que lhe aumentassem o salário de 800 contos de réis que ganhou durante os quase 50 anos que governou o Brasil. Apesar de no período a arrecadação tributária ter aumentado 10 vezes... 

Se o Segundo Império era uma monarquia constitucional, sob a qual funcionavam Executivo, Legislativo e Judiciário. Se o imperador era um governante probo, que respeitava a coisa pública. Se o povo brasileiro não tinha sequer ideia do que fosse a república e muito menos a desejasse – o que ensejou o golpe de Estado civil-militar que a instaurou?

Legislativo do Império do Brasil

A resposta quiçá possa ser encontrada numa carta que a Princesa Isabel, que sucederia D. Pedro II como Rainha do Brasil, escreveu no dia 11 de agosto de 1889 (cerca de três meses antes do golpe republicano) ao Visconde de Santa Victória (2). Nela agradece doação feita para um plano de assentamento dos escravos libertos, dizendo:

A Princesa Isabel assina a Lei Auéra

“Fui informada por papai que me colocou a par da intenção e do envio dos fundos de seu Banco em forma de doação como indenização aos ex-escravos libertos em 13 de Maio do ano passado, e o sigilo que o Senhor pediu ao presidente do gabinete para não provocar maior reação violenta dos escravocratas.

Deus nos proteja que os escravocratas e os militares saibam deste nosso negócio, pois seria o fim do atual governo e mesmo do Império e da Casa de Bragança no Brasil.

Nosso amigo Nabuco, além dos Srs. Rebouças, Patrocínio e Dantas poderão dar auxílio a partir do dia 20 de Novembro quando as Câmaras se reunirem para a posse da nova Legislatura. Com o apoio dos novos deputados e os amigos fiéis de papai no Senado será possível realizar as mudanças que sonho para o Brasil! Com os fundos doados pelo Senhor teremos oportunidade de colocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas próprias trabalhando na agricultura e na pecuária e delas tirando seus próprios proventos”.

E acrescentava a herdeira do trono do Brasil: “Mas não fiquemos mais no passado, pois o futuro nos será promissor, se os republicanos e escravocratas nos permitirem sonhar mais um pouco. Pois as mudanças que tenho em mente, como o senhor já sabe, vão além da liberação dos cativos. Quero agora me dedicar a libertar as mulheres dos grilhões do cativeiro doméstico, e isto será possível através do Sufrágio Feminino! Si a mulher pode reinar também pode votar!

O Império, por seu então titular e por sua sucessora, tinham em mente complementar o fim da escravidão dando aos libertos condições econômicas de progredirem e de se integrarem na sociedade! Retomavam as ideias de José Bonifácio! Isto permitiria – quase certamente – que a História do Brasil fosse outra e que não ocorresse a marginalização econômica e social da maioria da população (56% ou quase 120 milhões de brasileiros) de origem negra ou miscigenada, como ocorre atualmente. Ou, em outras palavras: não permitiria que a chaga da escravidão continuasse aberta e moldando a sociedade brasileira por mais de um século após a sua extinção jurídica com a Lei Áurea. E a futura imperatriz também pensava em dar direito de voto às mulheres – isto ainda no final do século XIX! 

Como a premonição da Princesa Isabel indicara, tais ideias chegaram aos ouvidos dos escravocratas e dos militares ou foram intuídas por eles – e a república tornou-se o pretexto para o golpe de Estado que perpetuou a escravidão no Brasil, agora sob a veste da exclusão social. Que perdura até hoje. Não por acaso, um dos primeiros atos do governo provisório foi abolir os benefícios vigentes em favor dos ex-cativos libertos.

A república nasceu reacionária. Não só reacionária – também antidemocrática, na medida em que admitiu a tutela militar ao longo da sua história e jamais aceitou, no Direito Constitucional representado pelas cartas magnas de 1891, 1946 e 1988 (para ficarmos apenas nas constituições tidas como democráticas) o princípio basilar da representação política – a cada cidadão um voto – que até hoje não existe principalmente para os habitantes do Estado de São Paulo, a unidade mais desenvolvida e mais dinâmica da federação de fachada inventada pelos republicanos de araque.

Mas este tema fica para outra ocasião.

Referências:

  1. “1889 – Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil.” Ed. Globolivros, 1ª edição (2013), 8ª reimpressão (2016).
  2. Revista Nossa História, ano 3, n. 31 – Editora Vera Cruz. E anais da Câmara Municipal de Araraquara.

Venha Catetear!