Aventuras e desventuras do cantor Nelson Gonçalves

Aventuras e desventuras do cantor Nelson Gonçalves

Aventuras e desventuras do cantor Nelson Gonçalves

Por Carlos Monte

O cantor Nelson Gonçalves (21/06/1919 -18/04/1998), cujo nome de batismo era Antônio Gonçalves Sobral, nasce em Santana do Livramento no Rio Grande do Sul, filho de pais portugueses que posteriormente se mudaram para São Paulo em busca de melhores oportunidades na vida. Aquele que viria a se tornar o segundo maior vendedor de discos do Brasil com 81 milhões de cópias vendidas, somente superado por Roberto Carlos, teve uma infância atribulada e passou por muitas dificuldades até alcançar o sucesso em sua longa carreira.

Cartaz do musical Nelson Gonçalves

Expulso do colégio, por se haver recusado a cantar o Hino Nacional nas festividades escolares, o menino passou a acompanhar seu pai e um deficiente visual em exibições em feiras e praças públicas na capital bandeirante.

Enquanto o velho Manoel Gonçalves Sobral tocava violão, o garoto Antônio era obrigado a cantar, enquanto o cego recolhia as esmolas ofertadas pelos transeuntes. Terminada a exibição, Manoel fazia a divisão dos valores recebidos: ele ficava com 80%, dava 15% ao ceguinho e 5% ao filho. Essas e mais outras histórias igualmente dolorosas, Nelson Gonçalves contou a Fernando Faro, produtor da TV Cultura, no Programa Ensaio exibido em 12 de agosto de 1993. Nelson exerceu diversas profissões: foi jornaleiro, mecânico, engraxate, polidor, tamanqueiro e chegou a atuar como boxeador, antes de se deixar seduzir pela carreira artística. Casado com sua primeira esposa, Elvira Motta, e já pai de 2 filhos, fez algumas tentativas em emissoras paulistas sem todavia obter maior êxito.

Pensão de Corda no traço de Honoré Daumier

Tendo resolvido se mudar para o Rio de Janeiro em 1939, antes de completar 20 anos de idade, o futuro cantor morou inicialmente em uma pensão muito modesta da Rua do Catete, em quarto coletivo, guarnecido com corda, conforme ilustrado acima nesta gravura de autoria do conhecido chargista francês Daumier. Às primeiras luzes da manhã, os pensionistas da noite eram acordados violentamente pelo gerente da pensão, que soltava a corda em que se apoiavam e, em seguida, os fregueses eram colocados porta afora, para darem lugar a outros clientes que se revezavam em turnos durante todo o dia. Cansado deste sofrimento, o jovem Antônio resolveu enfrentar o sono deitando-se ao luar sobre as pedras da Praia do Russel, localizada em frente ao futuro Hotel Glória.

 “Quem me despertou algumas vezes, nestas ocasiões, foi o oficial da Guarda Civil, Haroldo Lobo, que além de policial foi um dos maiores compositores carnavalescos e me deu mais tarde várias músicas de sucesso para gravar” contou o cantor a Fernando Faro no Programa Ensaio. Dentre as obras de autoria de Haroldo Lobo, registradas por ele, podemos citar: Espanhola (1946), Odalisca (1947), Princesa de Bagdá (1948), Serpentina (1949), Toureiro (1951), Simbad o marujo (1952), Confete dourado (1952), Lança perfume (1954) e os sambas Fingiu que não me viu (1941), Tormento (1947) e Arlequim (1958).

Apesar de recusado em diversas emissoras e igualmente sem obter êxito em programas de calouros, Nelson acabou contratado, no final de 1939, pela RCA Victor com o apoio decisivo do compositor, flautista e maestro Benedito Lacerda. Nelson permaneceu no cast da RCA Victor por 59 anos, até sua morte.

Logo que melhorou de vida, Nelson trouxe a família para o Rio e foi morar numa casa compartilhada na rua Pedro Américo no mesmo bairro do Catete, onde ficava a pensão que o abrigara quando de sua chegada, anos antes. 

Nelson colecionou inúmeros amores ao longo de sua existência, entre os quais podemos citar a vedete Eloina Ferraz, que também foi namorada do cantor e compositor cearense Evaldo Gouveia. Foi para ela que Evaldo compôs em 1959 sua primeira música “Deixe Que Ela Se Và”, gravada, entre outros artistas, pelo próprio Nelson Gonçalves. Em 1952, Nelson casou-se com a cantora Lurdinha Bittencourt e viveu uma relação conturbada que durou até 1959. Nessa época cheguei a conhecê-lo pessoalmente pois o casal morou na rua do Russel 398, em prédio vizinho ao de número 404 onde morei quando menino. Abaixo apresento uma foto dos dois prédios, que lá permanecem até hoje. N° 404 Nº 398.

Depois de um período de ostracismo em sua carreira, quando inclusive consumiu drogas pesadas, que quase o arruinaram, Nelson reabilitou-se e, a partir de sua aproximação com o grande compositor Adelino Moreira, nascido em Portugal, que lhe apoiou e deu para gravar o samba canção “A Volta do Boêmio” A partir de então, Nelson voltou a trilhar o caminho do sucesso. Em vida Nelson recebeu os epítetos de “Rei do Rádio” e “Metralha”, devido a gagueira que, diga-se de passagem, nunca atrapalhou o seu desempenho vocal. Notas e Bibliografia: Canção Deixe Que Ela Se Vá de Evaldo Gouveia Cantada por Nelson Gonçalves

https://www.youtube.com/watch?v=2EQF0HaYBbM

Programa Ensaio da TV Cultura de 12 de agosto de 1993 Biografia de autoria de Cristiano Bastos Nelson Gonçalves, o Rei da Boemia Editora Plus

Carlos Monte é engenheiro e pesquisador da Música Popular Brasileira

Venha Catetear!