Cristal que Falava
O CRISTAL QUE FALAVA
...em Poção, com minha mãe Mira e a tia Lia
Hoje ela aperta o botão e acabou - pronto
Não precisa mais se mexer
Antigamente era rádio de cristal
Tinha que esticar o fio grande pelo quintal
Na sua casa de chão batido
Perdida no meio do sertão
Desenrolava toda bobina - pedurava o fio
Nos galhos do juazeiro, no braço do mandacarú
Passava pela grade do galinheiro
Pendurava no pau alto do varal até as pontas se encontrarem
Na pequena espiral que só podia pegar com autorização do pai
Sua irmã tinha medo
Dizia que aquilo era coisa de outro mundo
Mas bem que se juntava para escutar
Quando de dentro da caixinha de madeira
O tal do cristal começava a falar
O tempo ia passando, o candeeiro se apagando
Saia música, notícia da capital, era diferente
Mas igual o de hoje da televisão, do rádio, do jornal
O som as vezes sumia, voltava zuado
Vinha com um buruçu danado, se alinhava, ficava enroscado
Tudo parecia muito mais perto, mais simples
Apesar da trabalheira de ter que sempre desenrolar aquele enorme fio
Luiz Carlos Prestes Filho
Rio de Janeiro, 17/09/2021