O Sabor do Mar Cáspio - Maria Prestes 6

O Sabor do Mar Cáspio - Maria Prestes 6

Prestes é recebido oficialmente pelo Secretário Geral do Partido Comunista do Azerbaijão, Heydar Aliyev. O filho, Antônio João, está à sua esquerda.

O Sabor do Mar Cáspio

Por Maria Prestes

O Azerbaijão fica no Caucaso mas, ao contrário da Geórgia, sua costa marítima está voltada para o Mar Cáspio. Fizemos uma viagem memorável, em 1977, até a cidade de Baku, que é a Capital do país. Conhecemos Ganja, Shaki e Zakatala. Passamos por alguns outros municípios dos quais agora já não lembro o nome. Ao entrar nas cidades nos serviam Sherbet de romã com rosa.

Maria, à esquerda, com os filhos Luiz Carlos, Zoia, Mariana, Yuri Alexandre e Antonio João. Prestes é o terceiro da direita para esquerda, ao seu lado a amiga Nádia Pereira Cristino. Estão acompanhados por uma comitiva local.

Por todos lugares víamos monumentos, ruas ou praças com o nome Nezamí, vulto histórico dos séculos XII e XIII. Nossos anfitriões nos levavam para depositar flores aos pés de sua imagem e repetiam: “Este foi o maior de todos os poetas persas, atuou no campo da matemática, astronomia, filosofia, botânica, medicina e alquimia, nasceu e morreu em Kirovbad, assim se chamava a cidade de Ganja na era soviética”. Tem uma frase dele que é inesquecível: "Aquela palavra que vem do coração, penetra em outro coração”.

Na cidade de Baku, solicitei que nos levassem para comprar frutas da época. A organização e a limpeza do local eram  perfeitas. Estavam disponíveis os melhores produtos nos balcões a preços bem acessíveis. Na minha vida, nunca tinha visto nada igual. Aproveitamos e enchemos as bolsas com morangos, uvas, peras, romãs, maçãs, melão e melancia. No hotel, minha nora, Helena, decidiu despachar uma caixa para seus familiares de Moscou. Decidimos então voltar ao mercado, comprar mais frutas, só que sem avisar aos nossos anfitriões, tínhamos decorado o caminho. Quando chegamos o ambiente era completamente diferente de quando fomos pela primeira vez. Sujeira, uma gritaria infernal, e as frutas a preços altíssimos! Chegavam ao dobro do que compramos no dia anterior. 

Na cidade de Shaki visitei outro mercado popular onde pude conhecer raízes, sementes, frutas, temperos, embutidos e flores do Azerbaijão. Era um típico mercado árabe, inclusive com muitas mulheres com as bocas cheias de dentes de ouro e véus sobre os rostos. Fiquei me questionando como seria possível? Estávamos na década de 1970, faziam 60 anos da Revolução Socialista de 1917, e os hábitos e a religião persistiam no coração do povo. A resposta veio na década de 1990, quando a URSS desmoronou e todas as ex-repúblicas soviéticas se transformaram em países independentes. O Azerbaijão, por exemplo, agora é um país muçulmano. Entendo hoje que não se pode acabar com as crenças e as tradições por decreto, temos que saber respeitar o povo.

Palácio de Shaki. Da esquerda para a direita na primeira fileira: Zoia, Mariana, Nadia Pereira Cristino, Luiz Carlos e Yuri Alexandre. Na segunda fileira: Maria, dirigente do partido cuminista local, Prestes. Na terceira fileira: Antônio João, Helena Dunaeva e representante do governo local. 

Na cidade de Shaki visitamos um palácio construído no século XVIII. Entramos em todas a salas e quartos. Sobre cada uma de suas sacadas existem mandalas de alto e baixo relevo, construídas de espelhos de vários tamanhos. Olhando para uma delas era possível visualizar o que acontecia em outras duas sacadas próximas e outros pontos que não estavam ao alcance direto. O Velho brincou: “Podíamos ter adotado esse sistema de espelhos nas nossas residências clandestinas. Sempre teríamos a visualização de todos os acessos.” Em Zakatála subimos até um lago cercado de vasta natureza, andamos de lancha. Tivemos que subir até o ponto mais alto da montanha para chegar até lá. Parecia que essas águas reservadas não tinham fim.

Passeio no Lago Zakatála: Prestes e Maria

Ao descer, voltamos para Sheki, onde fomos recebidos pelo herói da Resistência Francesa durante a II Guerra Mundial, Armed Michel ou Armed Djebrailov. Como ele falava francês fluentemente e o Velho também, o nosso tradutor ficou sem ter que trabalhar.

A chegada ao local foi um momento de tensão. Ao sair do carro nos deparamos com o Armed, com o peito cheio de medalhas, segurando um carneiro pela cabeça e seu filho segurando as patas traseiras do bicho. Após nos dar boas vindas ele tirou um punhal da cintura e meteu no pescoço do animal. O forte jato de sangue espantou meu filho menor, o Yuri, que ficou um tanto abatido. Nessa hora com um ar solene o anfitrião pronunciou: “Visitante importante entra na minha casa através do sangue.” Todos tiveram que atravessar o rio vermelho que escorria sem parar do pescoço do carneiro que dava seus últimos sinais de vida.

Armed Michel ou Armed Djebrailov e Luiz Carlos Prestes

Mas não terminou aí a originalidade da recepção. Após nos acomodarem à mesa, penduraram o carneiro num ponto próximo e começaram a destrinchar o mesmo. Em seguida, distribuíram para todos miúdos do bicho com o “calor da vida”. Teve membros da família que se retiraram da mesa, passaram muito mal, e não comeram nada até o final. A Helena desmaiou.

Não falo francês, mas capturei os seguintes detalhes da conversa do Velho com aquele herói nacional do Azerbaijão e da França que contou que foi como soldado para a frente contra a Alemanha Nazista, em 1941. No ano de 1942, foi preso e enviado para um campo de concentração na França. De lá, conseguiu fugir no mesmo ano e entrar para as fileiras da Resistência Francesa. Nos combates se destacou tanto que se tornou amigo de Charles de Gaulle. Ao voltar para casa após a guerra, por suspeitas absurdas foi enviado para um campo de concentração stalinista, na Sibéria, de onde saiu 10 anos depois. Reabilitado, reconstruiu sua vida a partir de 1966. Quando de Gaulle visitou a União Soviética e manifestou o desejo de rever o companheiro de luta contra o fascismo Armed foi valorizado pelas autoridades. Em certo momento a conversa passou a ser sobre armas. O Velho se animou ao relembrar aquelas que foram usadas por ele e seus soldados durante a marcha da Coluna Prestes pelo Brasil.

A mesa grande, com o Velho e o Armed na cabeceira, era regada com um conhaque de 20 anos! A cada brinde nos ofereciam frutas, queijos, castanhas e chocolates. Esse destilado do Azerbaijão não é tão conhecido como aquele produzido na Armênia. Mas tem alto padrão de qualidade. Os pratos mais variados não paravam de chegar. Aconteceu um verdadeiro banquete! Em determinado momento, Armed levantou um brinde com um vinho produzido na sua região: “Em homenagem a este ilustre visitante do Brasil, relembro que o Noé, quando estacionou sua barca no Monte Ararat, soltou os animais para repovoar a Terra, iniciou o plantio de uvas para produzir vinhos. Isso foi a milhares de anos! Desejo que a nossa amizade tenha essa longevidade! ”

Sim, o Azerbaijão, era na época uma das Repúblicas Soviéticas. Por isso, não tive dificuldade para atravessar alguns quilômetros da República Soviética da Armênia para ver o Monte Ararat, que fica na Turquia. Da fronteira, à distância apreciei o seu pico carregado de neve. Lenda bíblica que encanta os crentes de todo o mundo.

RECEITAS:

PLOV

Ingredientes: 1/2 kg de arroz; 1 kg de carne de carneiro; pimenta do reino, cebola, sal, louro e cebolinha picada a gosto.

Modo de Preparo: Em uma panela grande, cozinhe a carne de carneiro já com todos os temperos, deixando sempre com um pouco de caldo para não queimar. Quando a carne estiver cozida, coloque o arroz e diminua o fogo até o arroz ficar no ponto. Coloque em uma forma de bolo e depois vire em um prato grande e enfeite com salsa e cebolinha.

Observação: Foi no Azerbaijão que experimente o verdadeiro plov. Os pedaços da carne de carneiro são grandes e bem gordurosos


CHURRASCO DE CARNEIRO

Ingredientes: 1 kg de carne de carneiro sem gordura; sal, vinagre e alho a gosto.

Modo de Preparo: Corte a carne em pequenos pedaços e leve ao braseiro para assar. Use ramos de salsa com salmora para umedecer a carne no espeto.

BEBIDAS:

Prestes sendo servido de Sherbet por populares no Azerbaijão

Sherbet de romã com rosas

Sempre servido em taças largas

Observação: O sabor predominante deste chá é de rosa

Conhaque

Observação: Tem aqueles com sabor de baunilha com chocolate.

Maria Prestes, militante comunista, é viúva de Luiz Carlos Prestes

Livro "Meu Companheiro - 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes" de autoria de Maria Prestes