PAISAGENS SONORAS DE TERRAS DISTANTES
O filósofo George Gurdjieff
O Coletivo PianoVero apresenta, no dia 7 de agosto de 2022, novas experiências sonoras em concerto que reúne peças do filósofo armênio George Gurdjieff e do compositor ucraniano Thomas de Hartmann. Na ocasião dezesseis pianistas, residentes em diferentes localidades do Brasil e do exterior, executarão 30 obras compostas no início do século XX. O concerto, com duração de duas horas, tem como objetivo oferecer aos ouvintes uma coletânea significativa do repertório consagrado. Os ingressos podem ser adquiridos na bilheteria e no site do Museu de Arte de São Paulo (MASP).
PAISAGENS SONORAS DE TERRAS DISTANTES
Por Luiz Carlos Prestes Filho
Para a compositora Silvia Berg: “O contato com a beleza e a profundidade da obra de Gurdjieff e de Hartmann é impactante. Não tenho como não me reportar ao texto de ‘A Alma Imoral’ de Nilton Bonder quando ouço esta música - ‘perpetuação e ruptura, transgressão e transcendência e o comprometimento com as alternativas forjadas pela alma, que estão fora do alcance da materialidade’. A música toca profundamente, mesmo sem os conhecimentos prévios da filosofia que a embasa. Tenho a impressão que essa música só se revela em sua totalidade quando tocada, no sentido que a transcendência à partitura é tal, que só a materialidade do som, o contato com o espaço da performance, e o trabalho conjunto de intérpretes são capazes de dar corpo à sua essência. Nada mais próximo à proposta inovadora do Coletivo PianoVero”.
O compositor e pianista Thomas de Hartmann
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‘perpetuação e ruptura, transgressão e transcendência e o comprometimento com as alternativas forjadas pela alma, que estão fora do alcance da materialidade’ |
A compositora Catarina Domenici compartilha desta opinião. Para ela a pianista e diretora musical do Coletivo PianoVero, Vera Di Domenico: “Tem sempre boas ideias para trazer uma perspectiva diferenciada para recital de piano”.
Em entrevista exclusiva para o Catetear Noticias pianistas do Coletivo PianoVero – Vera Di Domenico, Grace Torres, Giovanna Elias, Jeferson Ulbrich, Matheus Fedrigo e Lilian Nakahodo - discorreram sobre alguns importantes aspectos do trabalho que será apresentado.
Luiz Carlos Prestes Filho: Por que George Gurdjieff e Thomas De Hartmann? Qual é a atualidade deste conteúdo que será apresentado?
Grace Torres: Acreditamos que na contemporaneidade deste século XXI, tão multifacetado e cheio de hibridizações culturais, esta obra do início do século XX carrega a atualidade de trazer versões acessíveis à exploração do mundo ocidental. As obras não são escritas para serem tocadas como música clássica, em que cada nota escrita deve ser tocada tal qual o compositor a escreveu, mas, ao contrário, oferece uma liberdade criativa e de interpretação muito importantes para que as pessoas possam se expressar através delas a seu modo, descobrindo sonoridades, sensações, estados meditativos/imersivos… em que a experiência de se relacionar com uma partitura ganha outras camadas de fruição, tanto para quem toca quanto para quem ouve. Coincidentemente, há atualmente uma certa “modinha”, nas redes sociais de vídeo, de se fazer diversas versões (variando ritmos, instrumentação, linguagem, etc) de uma música popular e submeter as versões a votação do público.
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Grace Torres: Coincidentemente, há atualmente uma certa “modinha”, nas redes sociais de vídeo, de se fazer diversas versões (variando ritmos, instrumentação, linguagem, etc) de uma música popular e submeter as versões a votação do público. |
Giovanna Elias: O piano de Gurdjieff & De Hartmann transcende a temporalidade, combina uma notação em partitura tradicional com um universo meditativo, que evoca coloridos de instrumentos típicos do oriente e propõe um olhar para dentro do ser. Além disso, sintoniza linguagens geograficamente distantes e com diferentes tradições de preservação de suas heranças musicais, mas que são aproximadas através do universo espiritual, que por si só é atemporal e abrange a todos, independente da etnia ou outros parâmetros utilizados para segregar. Logo, a música vem com o poder Coletivo de aproximar e de revelar que não existem fronteiras, mas sim, propósitos maiores que transcendem o plano material.
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Giovanna Elias: O piano de Gurdjieff & De Hartmann transcende a temporalidade |
Prestes Filho: O concerto tem a denominação: “De sons e terras distantes”. Porque?
Jeferson Ulbrich: Quando começamos a pensar sobre possíveis títulos para o nosso programa, nos deixamos levar pela nossa imaginação musical e nos baseamos nas viagens feitas por Gurdjieff, principalmente pelo Oriente Médio e pela Ásia. Como a tradição musical desses lugares é distante da nossa herança musical ocidental, decidimos pelo título "De sons e terras distantes".
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Jeferson Ulbrich: Como a tradição musical desses lugares é distante da nossa herança musical ocidental, decidimos pelo título "De sons e terras distantes" |
Prestes Filho: A pianista e diretora musical do Coletivo PianoVero, Vera Di Domênico, disse que há anos "tinha ouvido falar" do repertório em pauta. Onde e como aconteceu a descoberta das obras pelas ela disse aconteceu: "amor à primeira audição"? Quando veio a decisão de executar as mesmas?
Vera Di Domenico: A gente, como artista, na nossa formação - na informação, no início da nossa atividade propriamente dita, na realização daquilo que a gente vai aprendendo e conseguindo expressar, - a gente se depara com muitos "amores''. E isso vai ficando armazenado na nossa memória, tanto a afetiva quanto musical, estilística, intelectual… Eu não posso dizer exatamente quando foi a primeira vez que ouvi falar deste repertório. Mas posso dizer quando ouvi pela primeira vez. Era madrugada, eu estava na minha cama, no escuro. Aí peguei o celular e procurei este repertório. E quando ouvi, me apaixonei imediatamente, porque já estava arquivado na minha memória que um dia eu teria contato com este repertório. Isso aconteceu muitas vezes, com outras obras, com outros projetos, e tem coisas que ainda estão dentro de mim que, se eu tiver oportunidade, ainda serão realizadas. Eu acredito que há esse arcabouço afetivo-artístico dentro dos artistas, de onde as ideias fluem, que um dia se tem a oportunidade de ouvir e realmente dar a palavra de que aquilo ali vai ser realizado. Então, agora, nesse momento, vai se tornar um fato, e não apenas mais uma ideia ou um amor platônico.
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Vera Di Domenico: Eu não posso dizer exatamente quando foi a primeira vez que ouvi falar deste repertório. Mas posso dizer quando ouvi pela primeira vez. Era madrugada, eu estava na minha cama, no escuro. Aí peguei o celular e procurei este repertório. E quando ouvi, me apaixonei imediatamente |
Prestes Filho: Os dois concertos online “Gurdjieff Music Experience”, realizados em em 2020, foram uma introdução ao presente trabalho?
Matheus Fedrigo: Já havíamos tocado este repertório anteriormente, na mesma apresentação “De Sons e Terras Distantes” que aconteceu em 2019 na Capela Santa Maria e em outra apresentação que adaptamos para um formato non-stop (sem parar), durante 10 horas seguidas, na Black Box do SESI Paraná (em janeiro de 2020), ambos eventos em Curitiba. Dessa forma, diria que os concertos online que realizamos durante aquele período da pandemia nos proporcionaram a chance de matar as saudades das nossas apresentações, das obras de Gurdjieff e De Hartmann - que, mesmo já tendo as estudado, ensaiado e apresentado, jamais perderam esse caráter de “novidade” para nós do Coletivo - e de poder estar fazendo música ao lado de colegas tão queridos. Um dos nossos maiores presentes foi essa música ter atingido tantos lugares do mundo através da internet.
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Matheus Fedrigo: diria que os concertos online que realizamos durante aquele período da pandemia nos proporcionaram a chance de matar as saudades das nossas apresentações, das obras de Gurdjieff e De Hartmann’ |
Prestes Filho: Serão 30 peças executadas por 16 pianistas. Como aconteceu o processo de escolha das peças? Qual será a ordem?
Vera Di Domenico: Eu tinha ouvido praticamente todas as peças que foram editadas para piano e apresentei ao Coletivo, numa reunião, a ideia de fazer este repertório. Todos toparam, acharam muito bonito e se entusiasmaram com a ideia. Quando fui elaborar o programa propriamente dito, pensando nas peças que fariam parte, primeiro tive que encontrar suas partituras, o que foi um trabalho bastante difícil. Claro que, várias pessoas do coletivo se empenharam nisso também. Foram 4 volumes de peças que eu li e toquei, buscando cada pessoa em cada peça, de uma forma muito intuitiva, sem nada muito racional. Foi um processo de identificação das pessoas com as obras. No concerto que vamos fazer no Masp, o programa é composto por peças mais introspectivas e outras peças mais extrovertidas, como as danças, danças dervixes, danças de sayid, de cunho mais viril, podemos dizer assim. O programa começa com peças mais lentas, tranquilas, pra que todos possam relaxar e entrar naquela onda. E em toda sua duração, teremos momentos mais ativos, com peças mais sonoras, rítmicas, e outras peças mais suaves e delicadas. Mas o início do concerto visa dar uma sensação de relaxamento e introspecção às pessoas que estão assistindo.
Prestes Filho: Como o piano responde às tradições espirituais antigas de regiões próximas aos mares Cáspio, Negro e Mediterrâneo? Os instrumentos tradicionais na região foram feitos para executar escalas modais diferentes das européias. Vocês estudaram estes instrumentos? Vocês ouviram conteúdo original da região?
Grace Torres: O desafio de escrever essas peças que carregam essas tradições espirituais tão longínquas para os ocidentais foi encampado pelo pianista e compositor Thomas De Hartmann, sob a orientação experiente de Gurdjieff nestes universos tradicionais que explorou em suas viagens. Eles desejavam trazer essa musicalidade dessas tradições ao alcance das pessoas comuns, além dos músicos, porque há diversas peças sem grande dificuldade de execução que qualquer pessoa com nível intermediário no instrumento pode estudar e tocar, tendo uma experiência própria com esse repertório e os sentimentos que ele evoca (um dos objetivos de Gurdjieff era a “educação dos sentimentos”). Para isso o piano era um instrumento perfeito, popular. Gurdjieff tinha muitos alunos em Paris.
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‘O Coletivo PIANOVERO debruçou-se num primeiro momento sobre as gravações do francês Alain Kremski (pianista e discípulo de Gurdjieff) para piano. A seguir, a busca foi por ouvir referências em instrumentos das regiões e tradições evocadas, o que em muito aprofundou a nossa interpretação e possibilidades criativas em torno das peças. Para a nossa sorte, hoje é possível encontrar vasto material no Youtube e canais similares.’ |
Lilian Nakahodo: Algumas peças são extremamente ornamentadas, e de forma claramente inspirada nas articulações de cantos e instrumentos tradicionais, como o duduk - ou oboé armênio. Uma das peças que tocarei no dia 7, "Canto e Dança Sayid", é uma delas, e um dos desafio foi experimentar uma ornamentação que se aproximasse desse universo que nos soa ainda "exótico". Ouvir peças tradicionais para duduk foi muito inspirador!
Giovana Elias: além da possibilidade de nuances de sonoridades instrumentais variadas no piano, através do toque e escolha de coloridos timbrísticos, o piano conta com a possibilidade de um pedal que sustenta o som, o que evoca momentos de oração conjunta em que os sons são amplamente sustentados por horas através do canto conjunto. Neste mesmo contexto, percebe-se o caráter de textura coral nas obras, representando a mesma cena descrita anteriormente.
Prestes Filho: O concerto, dia 7 de agosto próximo, vai reunir pianistas do Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Estados Unidos. Como aconteceram os ensaios? Foi difícil a logística para reunir tantos talentos num único espaço?
Lilian Nakahodo: O Coletivo não tem um espaço físico próprio, então realizamos os ensaios em rodízio na casa dos participantes em Curitiba. Mas já aconteceu de um pianista em outra cidade tocar pelo google meet durante o nosso ensaio presencial também! Este rodízio de espaços, além de ser uma oportunidade para desenvolver a habilidade de adaptação a diferentes instrumentos, é também um momento importante de encontros, em que trocamos ideias sobre o desenrolar dos projetos, em torno de uma mesa com comidinhas, café e chá. Em Curitiba, também contamos com o apoio de um excelente estúdio, o Gramofone - um dos únicos que possuem piano de cauda na cidade - e que nos cedeu o espaço para realizarmos os ensaios gerais. Cada pianista organizou sua própria ida para São Paulo, então teremos gente chegando, em diferentes datas, de Uberlândia (MG), Curitiba (PR), Ilha de Paquetá (RJ) e Nova Iorque. Uma pianista que mora em São Paulo, a Giovanna, organizou um espaço próximo ao Masp, para os pianistas que quisessem estudar na véspera do concerto. É por meio de iniciativas, apoios, mas principalmente, da colaboração dos próprios pianistas, que conseguimos viabilizar uma logística tão complexa.
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Lilian Nakahodo: O Coletivo não tem um espaço físico próprio, então realizamos os ensaios em rodízio na casa dos participantes em Curitiba. Mas já aconteceu de um pianista em outra cidade tocar pelo google meet durante o nosso ensaio presencial também! ’ |
Prestes Filho: Quais são os próximos projetos do Coletivo PianoVero? Quais são os próximos autores que estão sendo estudados?
Vera Di Domenico: Agora começa um processo de captação de recursos - que é muito importante, porque o Coletivo é completamente independente - e também, da escolha do novo projeto. Nós já temos algumas ideias bem interessantes - e eu posso prometer que são fantásticas -, mas ainda não gostaria de abrir, porque eu acredito, sempre, que é melhor iniciar o trabalho, pra depois fazer a divulgação. Mas garanto que são ideias muito interessantes e diferentes, porque nós sempre procuramos, nos nossos projetos, não ter nenhum tipo de preconceito em relação a estética, época... Logo após este concerto, faremos reuniões pra avaliar, ver o que pode ser feito e decidir a ideia que será, então, introduzida para o nosso próximo trabalho.
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Lilian Nakahodo:O que pode ser divulgado é que uma versão reduzida do Coletivo realizará uma turnê no 2o semestre de 2023 com as Sonatas e Interlúdios para Piano Preparado, do John Cage, passando por Rio de Janeiro, Uberlândia, Porto Alegre e São Paulo. Foi com esta obra, apresentada e gravada integralmente ao vivo em 2011 num projeto dirigido pela Vera, que criou-se o embrião do Coletivo! |
REDES SOCIAIS: @coletivopianovero e @masp
SERVIÇO:
MASP Concertos: “DE SONS E TERRAS DISTANTES” – Gurdjieff & De Hartmann, obras para piano pelo Coletivo PianoVero
Local: Auditório MASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Avenida Paulista, 1578, São Paulo
Data: 7 de agosto de 2022 (Domingo)
Horário: 18h30min
Duração: Aproximadamente 2h
Ingressos: R$40 (inteira) e R$ 20,00 (meia-entrada) – a partir de 07/07 na bilheteria e/ou no site do MASP:
FICHA TÉCNICA
Realização: Coletivo PianoVero; Direção Musical: Vera Di Domenico; Produção em São Paulo: Juliana Cortes; Coordenação de Produção: Grace Torres, Lilian Nakahodo e Jeferson Ulbrich; Textos: Ricardo Schmitt Carvalho; Projeto gráfico e cenografia: Karine Kawamura / Silvio Silva Jr. (Lumen Design); Assessoria de Imprensa: Evidência Comunicação; Redes Sociais: Matheus Fedrigo, Mariana Mendes, Giulia Ferreira e Giovanna Elias; Apoio: Lumen Design
PIANISTAS:
Beatriz Deschamps (Curitiba, PR); Giovanna Elias (São Paulo, SP); Giulia Ferreira (Curitiba, PR); Grace Torres (Curitiba, PR); Jeferson Ulbrich (Curitiba, PR); Josiane Keworkian (Paquetá, RJ); Julia Deschamps (Curitiba, PR); Karine Kawamura (Curitiba, PR)
Lilian Nakahodo (Curitiba, PR); Luís Carlos Morales Sanches (Porto Feliz, SP); Mariana Mendes (Uberlândia, MG); Matheus Fedrigo (Curitiba, PR); Max Barros (Nova Iorque, USA); Silvio Silva Jr. (Curitiba, PR); Vera Di Domenico (Curitiba, PR); Wilson Dittrich Filho (Curitiba, PR).
LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado em Direção e Roteiro de Filmes Documentários para Televisão e Cinema pelo Instituto Estatal de Cinema da União Soviética; Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local; Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009); é autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).