Sons e Canções - da Rua do Roussel até o Catete

Sons e Canções - da Rua do Roussel até o Catete

Sons e Canções:

da Rua do Roussel até o Catete
Por Carlos Monte

Na minha primeira infância, morei na Rua do Roussel 84, no Edificio Perigord, que está lá até hoje. Lembro com saudade de uma vendedora de capim cheiroso que passava pela nossa rua e de quem minha mãe era freguesa. O pregão, em tom lamentoso, subia até as janelas e os ramos de capim tinham um perfume inigualável. Espalhado pelas gavetas, o cheiro se impregnava em nossas roupas. Junto com os sons que vinham dos bondes que passavam à nossa porta - o ranger dos trilhos e o tilintar da campainha que informava a próxima partida - foram os primeiros sinais externos de que me dou conta até hoje.

Palácio do Catete

Precursores dos sons que, mais tarde, ouvi pelo rádio de casa: anúncios e músicas que também ficaram na minha memória. Muitos desses sons me lembram o vizinho Catete, bairro de tantas tradições musicais desde sempre. Lá se criaram e foram popularizadas muitas canções que deixaram-me fortes recordações. Entre elas ressaltam as que se cantavam na Festa de Nossa Senhora da Glória do Outeiro e as que tiveram origem e motivo no Palácio do Catete, desde o "Corta Jaca" da Chiquinha Gonzaga e as violadas de Catullo da Paixão Cearence, abrigadas por Nair de Teffé a contragosto de Rui Barbosa, passando pelas marchinhas sobre as disputas presidenciais como "Ai Seu Mè", "A Menina Presidência" e "O Retrato do Velho", por exemplo.

Compositora Chiquinha Gonzaga
E mais tarde os maravilhosos encontros de música popular nos jardins do mesmo Palácio, agora Museu da República, promovidos pelo Walter Filé, com participação do arquiteto Claudius Ceccon, quando foram registrados depoimentos de inúmeros sambistas das décadas de 1970 e seguintes, consolidados no Projeto "Puxando Conversa". Que tardes presenciei!

Claudius Ceccon
Para concluir, uma recordação maravilhosa do bairro, expressa na canção "Santo Amaro" de Luiz Cláudio Ramos e Aldir Blanc, registrada na voz de Pedro Miranda e que pode ser ouvida no link:
Como é bom cetetear memórias!

Letra da canção ""Santo Amaro"

Autores: Luiz Claudio Ramos e Aldir Blanc

Eu ia a pé da ladeira Santo Amaro

Até a Rua do Catete

No sobrado onde você residia

E te levava pra um passeio em Paquetá

Onde nasceu num piquenique

O nosso rancho, o Ameno Resedá

Verde, grená e amarelo, nossas cores

Resedá, vocês são flores como flor

Era a Papoula do Japão

Sua rival saiu no Flor do Abacate

De destaque no enredo da Rainha de Sabá

 

Os lampiões, os vagalumes

Você triste, com ciúmes

Eu charlando, resmungando

Que melhor era acabar

Pobre farsante de teatro ambulante

Meu amor de estudante

Não soube representar

E o casamento aconteceu

Vieram filhos, muitos netos

Muitas dores, muitos tetos

Mas o amor a tudo isso ultrapassou

Hoje, sozinho, eu voltei feito andorinha

À Pedra da Moreninha, onde tudo começou

 

Olhando o mar, pensei na vida ao seu lado

Como um choro do Callado

Um piano em Nazareth

Saudade grande o dia inteiro

Mas com jeito de alegria

Do pandeiro do Gilberto no Jacob

Pra cada dó, um sol maior, um lá sereno

A harmonia do Ameno, o amor do Resedá

Eu, funcionário aposentado

Coração não conformado

Antigo e novo, feito lua em Paquetá

 

Passou a vida com os ranchos desfilando

União da Aliança caprichosa em estrelas, desenganos

Desci por ela como desço ainda hoje

A ladeira Santo Amaro até o sobrado

Que o metrô matou

Bom era ir batendo perna

Tomar chope na Taberna. E outra história,

É uma glória ser da Glória, o que é que há?

O rosto dela vela o Rio de Janeiro

Como a Virgem do Outeiro

Guarda o Ameno Resedá.

Carlos Monte é engenheiro e pesquisador da Música Popular Brasileira

Venha Catetear!