Há 22, há 22, há 22...

Há 22, há 22, há 22...

Compositor Cyro Delvizio

foto: Guarim de Lorena 

 

Há 22, há 22, há 22...

Ópera de Cyro Delvizio

Texto de Luiz Carlos Prestes Filho*

Arte: Jodri Aquino

 “Um Homem Amarelo”, do compositor Cyro Delvizio, é uma ópera densa do ponto de vista histórico, musical e poético. Seu drama desenvolve-se através da harmoniosa combinação das partes instrumentais com o canto. Seus protagonistas, interpretados por artistas afinados com a arte da interpretação cênica, conseguem realizar diálogos com perfeição.

O espectador, durante duas horas, viaja por datas importantes para com a formação da nação brasileira, 1822 e 1922. O que é necessário para entender o ano de 2022.  Sempre acompanhado com uma boa dose de bom humor e alegria

“Olhe isso! Escute isso!

Tudo soa datado, como do século passado.

Olhe isso! Escute isso!

Mais que som antiquado, de acordes arcaicos,

sobejamente articulados e com trilos minguados.

Toscos trinados levemente desafinados...”

 As palavras acima refletem o desespero do compositor que busca uma nova linguagem, mas percebe que sua música, assim com a História do seu país, repete os vícios do passado. Traz para cena política e cultural o arcaico e o tosco. Como num passe de mágica, o compositor se transforma numa das personagens de sua própria criação. Ele é engolido pelo tempo, entra pela porta da frente na Semana de Arte Moderna de 1922. Participa ativamente dos debates estéticos da época. Traz para o primeiro plano a verve de um Mário de Andrade e de Oswald de Andrade.

“FREU: É o “Homem Amarelo”.

Está torto devido a um terremoto que abalou São Paulo.

ARISTARCO: Ele se parece com você.

Não só pela cor, mas pelo semblante desanimado.”

O elenco da ópera "Um Homem Amarelo": Guilherme Gonnçalves, Gilson Bender, Manuelai Camargo, Flávio Lauria, Clarice Prieto, João Campelo e Santiago Villalba - foto: Guarim de Lorena

Na Exposição de Arte Moderna de 1922, surge a pintura do “Homem Amarelo”, de Anita Malfatti, que emprestou o título para a ópera. Esta imagem vem no contexto do desânimo. Outra vez, surge a sensação de estarmos repetindo o arcaico e o tosco.

“D. PEDRO I: Meu Deus, que frêmito!

Pintai este quadro direito!

Colocai cavalos no lugar das mulas ou rejeito!

E vós forasteiro? Como conceituais tal pintura?

Queimo ou aceito?

FREU: Aceitirdis! Aceiturdais! Aceiturdivos!

Sim, aceite! Ela terá épico efeito.

Num segundo passe de mágica, o autor bate de frente com Dom Pedro I, em 1822, construindo sua própria imagem – arcaica e tosca. Tão ridícula e falsa, tão amarela como aquelas que brilham hoje nas esferas governamentais. Também nas academias, sociedades e associações culturais, federações da indústria e do comércio. O que leva o autor. ao voltar para 2022, proclamar: “Olhe isso! Escute isso! Tudo continua datado como do século passado. Olhe isso! Escute isso!”

"O Homem Amarelo" de Anita Malfatti

Gostaria de destacar o canto em homenagem a caipirinha, durante a cena da Semana de Arte Moderna de 1922:

“Santa caninha do Quilombo dos Palmares,

do Ipiranga às margem place, até sagrou as missa.

Cana, codório, canabraba, girimpana,

marvada, cana-caiana, tanto nome dá preguiça.

Ela protege contra cancro, mal-olhado,

espanhola e resfriado, eis que temo a caipirinha!”

Neste momento bem humorado, como pode-se ler, o compositor Cyro Delvizio, consegue cativar o expectador. Trazer o sorriso espontâneo e leve. De certa maneira esta ópera é uma caipirinha. Feita de uma história amarelada, com personagens amareladas, datas amareladas e seres amarelados. Tudo é misturado, bem batido e servido em 14 cenas. Nas quais o espectador encontra um compositor brasileiro preocupado com a inovação da linguagem da música contemporânea.

*Luiz Carlos Prestes Filho é diretor e roteirista de filmes documentários, escritor e jornalista membro do PEN Clube do Brasil

Serviço:

O A estreia de "Um Homem Amarelo"  será nos dias 21 e 22 de junho no Teatro Glauce Rocha, cidade de Campo Grande (MS), com entrada gratuíta

 A ópera “Um Homem Amarelo” é um projeto contemplado pelo FIC/MS de 2022, do Governo do Estado, em parceria com a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), por meio do Movimento Concerto. Uma idealização, composição e direção musical de Cyro Delvizio, com direção cênica de Brunna Napoleão e regência de Rodrigo Faleiros. Entre os cantores da ópera, Guilherme Gonnçalves (tenor), Manuelai Camargo (soprano dramático), João Campelo (tenor), Gilson Bender (baixo-barítono) Flávio Lauria (baixo-barítono), Clarice Prieto (mezzosoprano) e Santiago Villalba (baixo-barítono). “Um Homem Amarelo” também conta com produção-executiva de Jardel Tartari, com assistência de Patrícia Martins. Figurinos por Daniella Lima, com assistência de Malu Guimarães. Videocenário por Natacha Figueiredo e Sol Ztt, com consultoria de Marieta Spada. Visagismo por Fellipe Estevão, e iluminação por Eduardo Escrivano.