Joana e Conceição, as Loucas

Joana e Conceição, as Loucas

Não eram loucas, eram mulheres

 

 

NÃO ESQUECI

Dedico estes dois poemas a Silvia Berg. Durante anos a compositora estuda a vida de mulheres invisibilizadas

 

Aqui Joana ficou confinanda - Palácio de Tordesilhas

 

NÃO ESQUECI QUE EU ERA RAINHA

A Joana de Castela, conhecida como “Joana, a louca”, foi filha de Fernando de Aragão e Isabel de Castela, monarcas católicos. Aos 16 anos teve o casamento arranjado com Filipe I, o duque de Flandes, Brabante e Borgonha. Após a morte de sua mãe Isabel, ascendeu ao trono em 1504, tornando-se rainha de Aragão. Por ser mulher o marido inventou que Joana era louca e assumiu o trono espanhol. Com a morte de Felipe I, o filho Carlos I, manteve a versão de que Joana estava demoniada. Assumiu o posto como regente, depois tornou-se rei. Impedida de ser rainha, por ser mulher, ficou durante 46 anos presa no Palácio de Tordesilhas, até a morte, em 1555.

  

Quando perceberam

Que eu ameaçava reinar

Inventaram - demoniada

Com meus colares de ouro, anéis de pedras preciosas

Com todo guarda-roupa

Para Tordesilhas fui embarcada 

 

Fui confinada

Com mordomias, proteção, caça

O Palácio de Cifuentes - distante

Distantes os sonhos, as rendas, as bonecas

Pela neblina da solidão

Fui encharcada 

 

Fugir? Voltar? Para onde?

Fui invisibilizada

Pelo marido

Pelo Carlos - filho querido

Carlitos sabia que eu sempre

Poderia ser a Rainha

 

Vestida de realeza muitas vezes

Atravessei o palácio

Os soldados me seguindo

Majestade! Se acalme!

Esqueça o que leu nos livros

Esqueça o trono

 

Tinham medo – sabiam que eu queria reinar

Com mão forte como a da minha mãe – Isabel

Que nunca parou frente a qualquer ameaça

Inventaram - demoniada

Por eu não aceitar o que me impunham

Por ser mulher...

 

Hospital Colônia de Barbacena, o 'Holocausto brasileiro' - Mega Curioso

Aqui Conceição ficou confinada - Hospital Colônia de Barbacena

 

NÃO ESQUECI QUE EU ERA CONCEIÇÃO

Conceição Machado foi mandada para o Colônia, porque decidiu reivindicar do pai a mesma remuneração paga aos filhos machos. Embora trabalhasse como os irmãos na Fazenda de Dores do Indaiá, município pouco povoado do centro-oeste das Gerais, a filha do fazendeiro não desfrutava dos mesmos direitos. Pela atitude de rebeldia da adolescente, o pai aplicou o castigo. Decidiu colocar Conceição no famigerado "trem doido", único no país que fazia viagens sem volta. Em 10 de maio de 1942, ela deu a entrada no hospital psiquiátrico de Barbacena, de onde nunca mais saiu. Em trinta anos, nunca recebeu visita. (fragmento do livro "Holocausto Brasileiro" de Daniela Arbex")

  

Quando perceberam

Que eu não me intimidava

Nem com as surras

Inventaram - demoniada

Amarrada fui embarcada

No "trem do doido" para Barbacena 

 

Ao chegar - me desnudaram

Tomaram os documentos

Deram outro nome

Meteram no banho gelado

No meio de fezes, mijos, espermas

Eram centenas - nojentos, nojentas

 

Fugir? Voltar? Para onde?

Indaiá estava distante

Distantes os sonhos, as rendas, as bonecas

Gritei tanto nos primeiros dias

Que fui metida no buraco do "acalma"

Invisibilizada

 

Mesmo mexericada pelo meu pai

Mãe, irmãos, primas

Pela querida tia Marinete

Pela Marinete que sabia

Que nada era verdade

Sim, eu nunca esqueci que era - Conceição

 

Sim, muitas vezes corri descabelada

Pelas ruas de Indaiá - os moradores se escondiam

Ninguém para enfrentar meu pai

Inventaram - demoniada

Por eu não aceitar o que me impunham

Por ser mulher...

 

Luiz Carlos Prestes Filho

Rio de Janeiro, 8 de outubro de 2022