Compositor Rodrigo Lima

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Compositor Rodrigo Lima

Rodrigo Lima: Paul Klee disse – “A arte não existe para produzir o visível, e sim para tornar visível o que está além.” Ao escrever música, percebo que o “tornar visível” é proporcional ao grau de imersão que temos no processo e em tudo aquilo que envolve o seu artesanato

     Série   Compositoras   e   Compositores   do   Brasil     

Por Luiz Carlos Prestes Filho –

Em entrevista exclusiva para Luiz Carlos Prestes Filho o compositor. Rodrigo Lima afirmou: “É muito comum instrumentistas e cantores se formarem tendo contato com um repertório que vai no máximo até Debussy e com muito pouco conhecimento da produção de compositores brasileiros e estrangeiros do século XX e XXI. Sem falar que não temos quase nada sobre nossa música de matriz africana nos currículos. São distorções que precisam ser equalizadas à luz de uma formação que inclua de maneira efetiva as questões do pensamento e do fazer artístico contemporâneo.” O compositor destacou seu compromisso com as lutas populares:

“Em 2018 tive contato com um relatório alarmante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que denunciava que entre 2016 e 2017 havia ocorrido 60 assassinatos de pessoas por conflitos no campo. Ninguém precisa ser altamente politizado para perceber que algo de muito errado acontece nesse país quando o assunto é o direito à terra, e não é de hoje. A obra LACRIMOSA CAMPESINA nasceu dessa indignação, é uma música em memória aos que perderam suas vidas lutando por um direito básico, que é ter um pedaço de terra para viver com o mínimo de dignidade.”

Rodrigo Lima é compositor e professor. Mestre na área de Análise Aplicada de Técnicas e Processos Composicionais da música do século XX, pela UNICAMP. Membro da Sociedade General de Autores y Editores (SgAe), sediada na Espanha. Suas obras têm sido premiadas e estreadas regularmente em festivais de música contemporânea no Brasil, Chile, México, Espanha, França, e Estados Unidos. Na imagem Rodrigo Lima está no 39º Festival Internacional de Música de Londrina 2019. (Crédito: Elvira Alegre)

Luiz Carlos Prestes Filho: Música de Concerto, Música Erudita ou Música clássica?

Rodrigo Lima: É sempre um risco rotular a criação artística. Penso que essa questão seja uma preocupação maior para as lojas e sites de discos que precisam separar em categorias seus produtos nas prateleiras do que para quem trabalha com processo criativo propriamente. Na falta de um termo melhor, no momento, fico com Música de Concerto. Particularmente acho o termo “Música Erudita” muito pedante, soa como se as outras “músicas” não tivessem algum tipo de erudição, o que, a meu juízo, é uma conclusão precipitada.

Rodrigo Lima ao piano no INSTRUMENTAL POESIA – Marília Garcia e Coletivo Capim Novo no Sesc Avenida Paulista

Prestes Filho: Música Eletrônica, Música Eletroacústica ou Música Acusmática?

Rodrigo Lima: Música Eletroacústica e Música Acusmática são dois termos bem apropriados. O primeiro por ser uma consequência histórica da mistura de duas correntes europeias importantes surgidas nos anos 40 do século XX, a Música Eletrônica (Elektronische Musik), na Alemanha, que experimentava com sons produzidos eletronicamente, e a Música Concreta (Musique concrète), na França, que elaborava suas composições a partir de sons pré-gravados, como, por exemplo, ruído de porta ou mesmo a voz humana. Da mesma forma, o termo Música Acusmática também se entrelaça nessa história toda. O próprio Pierre Schaeffer, expoente da música concreta, o tinha como referência, sobretudo no aspecto da nossa experiência de escuta, uma experiência em que somos instigados a perceber os sons não com base na fonte que o produz, mas pela sua qualidade sonora intrínseca, ou seja, através de um contato mais direto com o fenômeno sonoro em si.

Strasbourg 2015 – Concerto de estreia de Antiphonas para saxofone alto e grupo no 17th World Saxophone Congress & Festival

Prestes Filho: Seus pais são do Estado do Sergipe, você nasceu em Guarulhos (SP), residiu longos anos em Araguaína (TO). Recebeu a sua formação profissional primeiro em Goiânia (GO) e depois Brasília (DF). Como esta geografia familiar e acadêmica influenciou sua música? Sua mãe, que sempre incentivou você a ouvir música brasileira, trouxe para você os sons do Brasil? Considera profético, aos três anos de idade, ter sido pego no colo pelo compositor e intérprete Luiz Gonzaga?

Rodrigo Lima: Essas geografias são a base da minha formação humana e artística, é o meu esteio. Herdei da minha mãe a paixão pela música e pela cultura nordestina e do meu pai o espírito desbravador que me permitiu caminhar pelo mundo sempre com muita resiliência e curiosidade. Musicalmente, o lado sergipano trouxe uma riqueza enorme de sonoridades e repertórios para minha formação. Cresci ouvindo muita música caipira, repente, coco, aboio e toadas, de Vavá Machado e Marcolino a Cachimbinho e Geraldo Mouzinho. Esse caldo de cultura se somaria futuramente aos meus estudos composicionais e a outras paixões como o jazz e a polifonia medieval. Penso que todo esse mosaico sonoro atravessa em alguma medida meu artesanato composicional. São os sons e intertextos que habitam meu imaginário e que influem os caminhos a cada nova obra, não no sentido de reproduzi-los como uma espécie de “crossover” estéril, mas antes como um afeto que fermenta um processo permanente de recriação e tradução dessas escutas e, consequentemente, da minha música e de mim mesmo. Vamos ao mestre Luiz Gonzaga. Não vejo como um fato profético propriamente, mas, com certeza, como uma coincidência generosa da vida. O nordestino tem Gonzaga quase como uma entidade espiritual, eu arriscaria dizer que de um lado você tem Padim Ciço e do outro o rei do Baião. É uma grande referência e, com minha mãe, Dona Maria Pureza, não é diferente. Esse episódio que você mencionou aconteceu por volta de 1979 em Guarulhos-SP, minha cidade natal, tinha 3 anos. Ela me levou a uma dessas feiras de cultura nordestina que na ocasião acontecia no clube Fioravante, não sei se existe ainda. Chegando lá, minha mãe se deparou com um show do Luiz Gonzaga, veja que acaso incrível para uma nordestina apaixonada pelo Rei do Baião. Segundo ela, o show acontecia no chão mesmo, não havia palco, e num dado momento eu larguei sua mão e corri na direção do Gonzaga, mamãe tentou me pegar, mas fui mais rápido. Chegando no homem, ela conta que ele foi muito carismático dizendo que não se preocupasse com a ousadia do menino e me pegou no colo por alguns instantes. Uma história que guardo com muito carinho.

Prestes Filho: Cite os nomes de compositores que foram fundamentais para a sua formação. Cite nomes de compositores de que você acompanha no Brasil e no mundo. Também, algumas obras que têm para você importância estruturante na sua formação.

Rodrigo Lima: Pensando mais cronologicamente eu não diria apenas compositores, mas muitas bandas, instrumentistas e discos que ouvi foram essenciais. No início, por exemplo, eu vivia em sebo comprando coleção de vinil de Música Popular Brasileira, música clássica e jazz. Nessa fase, ouvi muito o Quinteto Violado, Cama de Gato (grupo carioca de música instrumental), o “The Yes Album”, Chick Corea, e tantos outros. E, claro, também foram fundamentais os 12 anos em que trabalhei como músico prático na noite. Tudo isso ajudou a sedimentar minha formação. Agora, pensando em compositores, eu diria que dois foram determinantes para o meu despertar composicional. Hermeto Pascoal e seu impactante LP A Música Livre, com aquela versão orquestral de “Bebê” e a experimentação ruidosa em “Sereiarei”. O outro seria Tom Jobim, dois de seus discos foram imprescindíveis, Matita Perê e Urubu.

Aqui se abriu uma nova perspectiva, a ponto de tomar a decisão de abandonar a escola por dois anos para ficar trabalhando em bandas de baile e acompanhando artistas para juntar dinheiro e comprar um piano.

Rodrigo Lima Recebe o Prêmio Nacional Camargo Guarnieri de Composição 2005. Sala São Paulo com os jurados Ronaldo Miranda e Almeida Prado

Com o piano vieram Thelonious Monk, Debussy, Stravinsky, Bartók, Schoenberg, Estércio Marquez Cunha (meu primeiro professor de composição), Villa-Lobos, Edgard Varèse, Claudio Santoro, Luciano Berio, Almeida Prado, György Ligeti e quantos outros que não cabem aqui. Sobre compositores e compositoras que tenho acompanhado, vou citar já sabendo que faltarão muitos, por exemplo, Eli-Eri Moura, Pauxy Gentil-Nunes, Marisa Rezende, Silvio Ferraz, Antonio Carlos Borges Cunha, Tatiana Catanzaro, Sergio Kafejian, Valéria Bonafé, Jorge Antunes, Harry Crowl, Alexandre Ficagna, Flo Menezes, Marcílio Onofre, Roberto Victorio, Maurício De Bonis, Tiago Gati, Alexandre Lunsqui, Sergio Rodrigo, Rodolfo Valente, Leonardo Martinelli, André Damião, Denise Garcia, Paulo Rios Filho, enfim, o Brasil tem uma produção gigante, é muita gente, não cabe aqui. Dos estrangeiros eu citaria o francês Yan Maresz, o chileno Miguel Farias, o colombiano Pedro Garcia Velásquez, o espanhol José Manoel López López e o Japones Dai Fujikura. Sobre as obras, vou citar cinco que tiveram papel transformador na minha percepção sobre o fazer musical. A “Missa Pange Lingua” de Josquin des Prez, “A Arte da Fuga” de Bach, “Farben”, terceira peça do Op.16 de Schoenberg, “Intégrales” de Edgard Varèse e “Erosão” do nosso Villa-Lobos.

Incluiria nessa lista ainda uma paixão mais recente, o livro “A Festa da Jaguatirica: uma partitura crítico-interpretativa da música dos Kamaiurá e do Alto Xingu” do antropólogo Rafael Menezes Bastos.

Sala São Paulo 2017. Estreia de Profissão de Febre com o Coral Jovem do Estado e o regente Tiago Pinheiro. Foto Heloísa Bortz

Prestes Filho: Quais movimentos de Música Contemporânea você acompanha de perto? Como professor, você afirmaria que nas faculdades de música e conservatórios a música contemporânea já ocupa o espaço que deveria ocupar?

Rodrigo Lima: Não tenho acompanhado um movimento específico, mas mencionarei uma iniciativa que considero importante, a Sonora: músicas e feminismos. Trata-se de uma rede colaborativa que reúne artistas e pesquisadoras em manifestações feministas no contexto das artes. Essa rede promove ações e debates críticos em torno de temas que visam apontar caminhos para ampliar a participação e a visibilidade das mulheres na música. É um tema atual e que precisa ser enfrentado. Historicamente, a música contemporânea e seus compositores sempre tiveram alguma presença nos conservatórios e, mais recentemente, nas universidades. Se fizermos um levantamento, vamos perceber que boa parte dos compositores e compositoras atuantes nesse universo desenvolvem, em sua grande maioria, alguma atividade docente ou de pesquisa nas universidades no Brasil. Na Europa não é muito diferente. É um espaço importante, mas penso que seria necessário também criar meios para levar esse repertório a um público além do nicho universitário e do conservatório, construindo novos espaços e diálogos com outras áreas como a dança e as artes visuais. Creio que possa ser um caminho para atingir e formar um público mais amplo e arejado. Como professor em uma escola de música, acredito que precisamos ainda angariar esforços para proporcionar ao estudante um contato mais orgânico com as novas práticas e linguagens da música do nosso tempo. Há muitos avanços, mas também lacunas. Por exemplo, é muito comum instrumentistas e cantores se formarem tendo contato com um repertório que vai no máximo até Debussy e com muito pouco conhecimento da produção de compositores brasileiros e estrangeiros do século XX e XXI.

Sem falar que não temos quase nada sobre nossa música de matriz africana nos currículos. São distorções que precisam ser equalizadas à luz de uma formação que inclua de maneira efetiva as questões do pensamento e do fazer artístico contemporâneo.

CUBA 2019: Com os compositores cubanos Eduardo Morales-Caso e Guido López no 32 Festival de Musica Contemporânea de Habana

Prestes Filho: Sua obra “Sol a Pino” tem relação direta com a sua leitura da “A Terra dos Mil Povos” de Kaká Werá. Livro no qual você destacou: “Toda palavra possui um espírito. Um nome é uma alma provida de um assento. É uma vida entoada”. Qual é a influência da palavra para seu ato de composição? Quais foram as suas “palavras” na obra citada? Em quais obras você realizou trabalho semelhante? Por exemplo, a palavra tem importância fundamental em “Txury-ò”.

Rodrigo Lima: A “palavra” pode ressoar na gente como um afeto, um estímulo que coloca a imaginação em movimento. Ou como diz Werá em seu livro, “a vida é o espírito em movimento. Espírito, para o índio, é silêncio e som”. Há muitos “espíritos” ou “palavras” em Sol a Pino, nela se ouve pedra, corpo, chuva, pássaros e gente. Mas também se ouve um estado de tensão quase que permanente se manifestando através de uma estrutura rítmica e harmônica que ao logo da música resiste às intempéries do tecido sonoro. “Sol a Pino” é o solstício dos trópicos que nos expõe a altas temperaturas, é o pino do meio-dia onde já não há mais sombra sobre o homem. No caso de “Txury-ò”, o estímulo foi a cosmovisão do povo Karajá. Sua cosmologia fala na existência de três mundos: o mundo subaquático dos ancestrais que vivem no rio Araguaia, o cotidiano das aldeias e seus rituais, danças e cantos, e, por fim, o mundo dos espíritos, o mundo celeste. Não se trata de música descritiva, longe disso, mas de um encontro entre o universo da criação contemporânea e o imaginário sugerido em cada um dos mundos dessa cosmologia. A palavra “Txury-ò” em Karajá significa “caminho por onde vai o sol”, e ela é incorporada na peça como uma evocação, a voz falada e cantada passa a ser uma espécie de “entidade sonora” que se manifesta quase que periodicamente dentro da música. Vale relatar aqui um aspecto muito bonito e que remete diretamente à maneira como o povo Karajá pensa a natureza e o tempo. No trabalho incrível da pesquisadora Maria Luiza Crespo Dantas Lima, ela esclarece que o “indivíduo Karajá, ao se colocar no mundo, evoca um movimento de ida e volta no tempo, que se contextualiza no próprio corpo, na relação com o outro (natural e sobrenatural). Essa repetição do tempo, em um movimento de “vai e volta”, produz uma ligação entre o presente, de um lado, o futuro e o passado de outro.”

Neste sentido, passei a pensar Txury-ò como uma confluência de fluxos temporais que a todo o momento são reconstruídos, numa espécie de ciclo ritualístico

São Paulo 2018: Gravação de ANTIPHONAS – Camerata Aberta, com Pedro Bittencourt e Guillaume Bourgogne

Prestes Filho: Em setembro de 2021 você participa do 28º Concurso Nacional de Piano “Professor Abrão Calil Neto, que acontecerá em Ituiutaba, Minas Gerias. Para este evento você escreveu 14 novas peças, sete para piano solo e sete para piano a quatro mãos. Qual o grau de importância deste evento para sua trajetória? Como o piano entra na sua vida? Neste instrumento teríamos reflexo do adolescente Rodrigo Lima, um baterista apaixonado por Tom Jobim, pelo grupo “Quinteto Violado” e pelo Hermeto Pascoal?

Rodrigo Lima: O concurso de Ituiutaba tem quase 30 anos de tradição onde a música brasileira contemporânea é sempre contemplada, em toda edição eles homenageiam um compositor que escreve várias obras para diferentes categorias. É uma iniciativa extraordinária, pois possibilita ao jovem músico estar em contato desde muito cedo com as novas linguagens da música do nosso tempo e com a produção brasileira. Este ano eu tenho a alegria de ser o compositor homenageado e assim oferecer a minha modesta contribuição para a história do concurso. Elaborar essas 14 peças para diferentes faixas etárias foi ao mesmo tempo prazeroso e desafiador, me permitiu resgatar muitas memórias da minha relação com o piano, que coincide com o meu interesse pela composição. Comecei meu percurso na música através da bateria e da percussão sinfônica, mas o meu interesse pela harmonia trouxe o piano definitivamente. No início, de forma autodidata, depois trabalhando com o compositor Estércio Marquez Cunha e na Universidade de Brasília estudando com a pianista Jaci Toffano durante o meu bacharelado em composição. Por isso acredito que as peças que fiz para o concurso irão reverberar de algum modo toda essa história de escutas que percorre minha trajetória. Por exemplo, os Quatro Jogos Rítmicos para piano a quatro mãos trazem muitas releituras de ritmos que se conectam diretamente com minha vivência de mais de 12 anos como baterista profissional.

Muita coisa desse mundo tem sido traduzida não apenas para a linguagem do piano, mas para outras formações dentro da minha produção.

Com o maestro Claudio Cruz na estreia de Sol a Pino na Sala São Paulo, agosto 2019, com Orquestra Jovem do Estado. (Foto: Heloísa Bortz)

Prestes Filho: Você, em determinado momento de sua formação, traz da biologia para a música o termo autopoiese. Poderíamos dizer que você abandona a postura analítica e parte para a observação da interação de um determinado som, de um campo harmônico? Trabalha a partir dos próprios elementos de um som específico, de um campo harmônico específico? Você busca construir uma linguagem própria a partir das relações e as funções que acontecem dentro de um sistema fechado?

Rodrigo Lima: Não diria abandonar a postura analítica, mas aprofundá-la no sentido de tentar estabelecer novos campos harmônicos para o processo. A ideia de ter uma matriz harmônica como princípio composicional foi por muito tempo uma obstinada preocupação. Pensar previamente a cor harmônica de uma música é como preparar as tintas e os matizes de cores antes de pintar o quadro propriamente. Essa relação prévia com o aspecto harmônico surgiu a partir de uma leitura despretensiosa das teorias em torno da ideia de autopoiese dos biólogos chilenos Humberto Maturana, que inclusive faleceu recentemente, e Francisco Varela. Autopoeiese “refere-se à produção contínua de si mesmo pela vida”. Trata-se, no contexto biológico, da capacidade que os seres orgânicos, essas entidades autopoéticas, têm de perpetuar-se através da atividade química e da movimentação das moléculas. Ou seja, um organismo que se autossustenta e que se autorregenera num perpétuo metabolismo. É a partir desse pressuposto “autopoético” que me coloquei a pensar na possibilidade de estabelecer ramificações de um determinado material harmônico ao longo de uma obra musical. Nesse sentido, a busca se desenvolveu mais na direção de especular outras formas de pensar a arquitetura harmônica ao longo de uma peça do que criar uma linguagem própria.

Essa especulação acabou virando uma dissertação de mestrado que realizei no Instituto de Arte da Unicamp sob a orientação do compositor Silvio Ferraz.

Paris 2008: Durante sua residência artística no 5th International Forum for Young Composers com o Ensemble Aleph

Prestes Filho: Como se dá o processo que você chama de “estímulo de criação”? Quando uma centelha passa a dar movimento a ideia sonora?

Rodrigo Lima: Sempre digo que compor é um ato de descoberta. O estímulo que você menciona precisa ser provocado e essa provocação pode se dar de várias formas, assistindo um concerto, lendo poesia, improvisando ao piano ou ouvindo a minha companheira Luisa Aguillar, que é cantora lírica, cantando em casa. Tudo isso pode disparar a centelha. É como se estivesse procurando uma argila ideal para esculpir. Uma vez definida, passo para a etapa que costumo chamar de laço afetivo com o material – aqui se inicia um processo de análise, de modelagem e de experimentação com o sonoro no intuito de perceber suas potencialidades e fraquezas. Há no processo uma constante necessidade de interpretar os materiais, pois neles há uma força natural intrínseca, uma plasticidade imensurável, é assim que vejo. Uma das funções do compositor é revelar exatamente isso em forma de música. Paul Klee fala algo muito bonito nessa direção: “A arte não existe para produzir o visível, e sim para tornar visível o que está além.”


Ao escrever música, percebo que o “tornar visível” é proporcional ao grau de imersão que temos no processo e em tudo aquilo que envolve o seu artesanato.

Rio 2018: Com Abstrai Ensemble Sala Cecilia Meireles. (Foto: Felipe Varanda)

Prestes Filho: O espaço para a Música Contemporânea no Brasil está reduzido. São poucos patrocínios que a iniciativa privada disponibiliza e as políticas públicas estão cada vez mais limitadas. Quais perspectivas para os próximos anos?

Rodrigo Lima: A perspectiva é de muita luta. O cenário atual não é desanimador apenas para Música Contemporânea, mas para toda a classe artística. Não bastasse a pandemia, absurdamente negligenciada pelo governo federal e que paralisou o setor cultural, vivemos também uma distopia assustadora no Brasil. A cultura e os artistas têm sido hostilizados por uma campanha difamatória por setores atrasados que nos enxergam como um estorvo para o país. Nós sabemos que é o contrário, a cultura tem um papel determinante no desenvolvimento e na formação da identidade de um povo. Além disso, o setor cultural gera renda e emprego, não apenas para o artista, mas também para o técnico de som, da iluminação, o transporte, o pipoqueiro na porta do teatro, etc. É um setor econômico importante. O que vem na esteira dessa campanha negativa é um projeto para asfixiar o setor cultural, haja vista o corte no ano passado de R$ 36 milhões de cinco áreas da secretaria de cultura. Que políticas públicas sobrevivem a isso? Instituições como a Funarte, por exemplo, perdem substancialmente sua capacidade de difusão da produção artística no país.

É um cenário desanimador, mas precisamos resistir porque esse obscurantismo vai passar e vamos precisar de muita criatividade para, primeiro, reconstruir muita coisa e depois avançar.

Brasília 2004: R. Lima regendo o ensaio geral para estreia de sua obra Autopoese com a Camerata de Cordas da Universidade de Brasília no Teatro Nacional Claudio Santoro

Prestes Filho: A Academia Brasileira de Música (ABM) desempenha um importante papel na difusão e reunião dos compositores brasileiros. Você entende que o compositor deve participar de associações e de sindicatos para encaminhar reivindicações sociais e participar ativamente das lutas populares?

Rodrigo Lima: As lutas populares são nossas também, uma sociedade mais justa e fraterna é melhor para todos. Uma classe desorganizada, sem representatividade e engajamento nas demandas que se apresentam cotidianamente é uma classe entregue à própria sorte e facilmente manipulada. Lembremos os direitos que a classe trabalhadora conquistou até hoje, mudança da jornada de trabalho, direito ao voto, direito a férias, direitos humanos etc. Tudo isso foi fruto de uma classe organizada e de muita luta, suor e sangue. O problema é que no Brasil existe ainda uma ideia equivocada de que a política se realiza apenas no âmbito partidário. Política é a arte da organização e se alguma classe deseja avançar com suas demandas é preciso que ela esteja organizada.

Madrid 2006: Rodrigo Lima recebe o Prêmio Francisco Guerrero Martín de composição da Fundacion Autor e Sociedade General de Autores y Editores

Prestes Filho: Sua obra “Lacrimosa Campesina”, dedicada a luta dos trabalhadores rurais, foi realizada para coro à capela. Além do seu firme posicionamento político, de apoio aqueles que lutam pelo direito de trabalhar na terra, teria nesta obra um resgate das origens de seu pai e mãe que nasceram e cresceram na roça do Sergipe? Esta sua preocupação social, outra vez, se relaciona com a autopoiese, teoria aplicada – também – nas ciências sociais e na filosofia. Autopoiese é hoje um marco teórico dos Direitos Fundamentais.

Rodrigo Lima: O fato de ser filho de uma família com forte origem na lida com a terra sensibiliza ainda mais essa tomada de consciência em relação às distorções históricas no Brasil. Mas, neste caso, não leio exatamente como um resgate das origens dos meus pais, essas já estão em mim, mas sim como uma necessidade de me posicionar diante de um fato político tão brutal. Em 2018 tive contato com um relatório alarmante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que denunciava que entre 2016 e 2017 havia ocorrido 60 assassinatos de pessoas por conflitos no campo. Ninguém precisa ser altamente politizado para perceber que algo de muito errado acontece nesse país quando o assunto é o direito à terra, e não é de hoje. Lacrimosa Campesina nasceu dessa indignação, é uma música em memória aos que perderam suas vidas lutando por um direito básico, que é ter um pedaço de terra para viver com o mínimo de dignidade.

Agora sobre autopoiese, confesso que não sabia da sua aplicação no domínio das ciências sociais, é uma novidade para mim, vou pesquisar a respeito, muito interessante.

Bordeaux 2016: Rodrigo Lima com Ensemble Proxima Centauri. Estreia mundial de Txury-ò no Festival International des Arts. (Foto: Frederic Desmesure)

Prestes Filho: Quais são as orquestras brasileiras que você admira como compositor? Quais são os maestros que mais tem intimidade com sua obra?

Rodrigo Lima: Há boas orquestras no Brasil, sobretudo nos grandes centros como São Paulo, Belo Horizonte, Rio de janeiro, Salvador, Brasília, Goiânia e Porto Alegre. Recentemente houve uma iniciativa importante da Orquestra Sinfônica Brasileira de incluir na sua programação em torno 20 encomendas para compositores brasileiros, algo raríssimo, um exemplo que poderia se multiplicar pelo país, até porque a música contemporânea brasileira é flagrantemente desprestigiada nas temporadas das orquestras profissionais no Brasil. Sobre os maestros, creio que o francês Guillaume Bourgogne seja o regente com quem mais colaborei. Tive o prazer de trabalhar com ele em estreias na Europa no “17th World Saxophone Congress & Festival 2015”, em Strasbourg (França), e no Brasil em concertos e em gravações de obras minhas para dois álbuns da Camerata Aberta. Citaria também o espanhol Luis Aguirre que estreou e gravou com o Sonor Ensemble minha obra “Matizes” para flauta e grupo durante o “XVII Premio Jóvenes Compositores 2006”, em Madri (Espanha). Incluiria ainda nessa lista os maestros José Luis Castillo (Espanha), Cesário Costa (Portugal), Osman Gioia (Brasil), Tiago Pinheiro, regente do Coral Jovem do Estado, e o inglês Kirk Trevor que em 2007 realizou a estreia de minha obra “Nomos” com a Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo. Também não poderia deixar de mencionar o maestro Claudio Cruz. Em 2019, tive a satisfação de trabalhar com ele durante a estreia de “Sol a Pino” com a Orquestra Jovem do Estado de São Paulo. Foi formidável o resultado dessa colaboração com o maestro. É muito gratificante conviver com a vitalidade e o espírito visceral das orquestras jovens, são muito abertos e curiosos. Por outro lado, há muito por fazer quando se trata de compositores e compositoras nas temporadas das orquestras profissionais. No Brasil ainda são pouquíssimos os regentes que se dedicam ao repertório contemporâneo brasileiro, temos uma produção significativa de norte a sul do país, mas infelizmente ela é silenciada, não chega ao grande público, é um problema estrutural sério que precisa ser corrigido.

Strasbourg 2015: Rodrigo Lima com o maestro Guillaume Bourgogne durante ensaios no 17th World Saxophone Congress & Festival

Prestes Filho: Como professor, você confirma que no Brasil está surgindo uma nova geração de compositores? Quem seriam eles? Entre estes, existem seus discípulos?

Rodrigo Lima: O que mais me chama a atenção nessa geração é sua pluralidade e a busca de diálogos com áreas além da música, como a poesia, dança, teatro e artes visuais, etc. A meu ver, pode ser que esteja apontando a direção de uma maior interdisciplinaridade no processo criativo, mas, de qualquer forma, já resulta numa produção mais arejada e para além dos cânones da música de concerto.

Com o maestro Wagner Polistchuk e o trombonista Carlos Freitas durante a gravação de Elegia em Azul para o CD Trombone Contemporâneo 2013

Por exemplo, na EMESP, onde sou professor de composição, criamos um coletivo de alunos e professores chamado Coletivo Capim Novo, que procurava esse tipo de diálogo, e de onde saíram alguns compositores como Gustavo Bonin, João Batista de Brito, Eduardo Frigatti, Marcelo Politano, Rossano Snel, e o próprio Coletivo que hoje tem vida própria. Citaria também o baiano Natan Ourives, o goiano Luiz Gonçalves e os paulistas Gabriel Xavier, Juliana Rodrigues, Luisa Gouveia, que também trabalha com teatro, Yugo Sano Mani, Dennis Gomez, Gabriel Duarte e Wellington Gonçalves.

Autor da entrevista: LUIZ CARLOS PRESTES FILHO: Cineasta, formado em Direção de Filmes Documentários para Televisão e Cinema pelo Instituto Estatal de Cinema da União Soviética; Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local; Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009); é autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2016).

Venha Catetear

Catetear On-Line – Interview - Rodrigo Lima

Luiz Carlos Prestes Filho: Concert Music, Scholarly Music [free translation of the term “Música Erudita”] or Classical Music?

Rodrigo Lima: It is always a risk to label artistic creation. I believe this question is of more relevance to record stores and retailers that need to separate their product in different shelves than to those that work with creation per say. In lack of better terminology, for the moment, I’ll stick with Concert Music. I particularly find the term “Scholarly Music” to be overly pedantic, it sounds as if other music lacked any kind of erudition, which, as I see it, is a hasty conclusion.

Rodrigo Lima

Prestes Filho: Electronic Music, Electroacoustic Music or Acousmatic Music?

Rodrigo Lima: Both Electroacoustic and Acousmatic Music are very appropriate terms. The first one is a historical consequence of the mixture between two major European trends in the 1940s, the Electronic Music (Elektronische Musik), in Germany, which experimented with sounds produced electronically, and Concrete Music (Musique Concrète), in France, which had its compositions made through the usage of pre-recorded sounds, such as door noises or even the human voice. In the same way, the term Acousmatic Music is entangled with this history. Pierre Schaeffer himself, a leading figure of Concrete Music, is a reference of mine, especially when it comes down to our listening experience, a experience in which we are urged to perceive sounds not in relation to its source, but to its own inherent sound quality, that is, through a closer contact with the sound phenomenon itself.

Prestes Filho: Your parents are from the state of Sergipe and you were born in Guarulhos (SP), have lived many years in Araguaína (TO). You received your professional education first in Goiânia (GO) and then in Brasília (DF). How has this family and academic geography affected your music? Has your mother, who has always encouraged you to listen to Brazilian music, brought you the sounds of Brazil? Do you find it prophetic that, when you were three, you were carried by the composer Luiz Gonzaga in his arms?

Rodrigo Lima: This geography is the basis of my human and artistic upbringing, it is my backbone. I have inherited the passion for music and for northwestern culture from my mother and from my father the pathfinder spirit that has allowed me to wander the world always with resilience and curiosity. Musically, my Sergipano side has brought a vast richness of sounds and repertoire to my background. I’ve listened to a lot of caipira music, repente, coco, aboio and toadas, from Vavá Machado to Cachimbinho and Geraldo Mouzinho. This brew of culture would further add to my composition studies and to my other passions such as jazz and medieval polyphony. I think all of this sound mosaic somehow permeates my musical craft. They are the sounds and intertexts that inhabit my imagination and influence my trajectory in every new work, not in some sort of sterile crossover through reproduction, but as an affect that ferments an everlasting process of recreation and translation of this listening and, consequently, of my music and of myself. Let’s move on to master Luiz Gonzaga. I don’t see it as a prophetic happening per say, but, definitely, as a generous coincidence in life. The northwestern Gonzaga is almost a spiritual entity, I would dare to say that you have on one side Padim Ciço and on the other the King of Baião. He is a great reference and to my mother it was no different. This episode you mentioned happened around 1979 in Guarulhos (SP), my home town, and I was three. She took me to one of those northwestern culture fairs that at that time took place in the Fioravante club, I don’t know if it still exists. When we got there, my mother was faced with a Luiz Gonzaga show, just imagine the amazing chance it was for a northwestern woman who loved the King of Baião. According to her, the show was on plain ground, there was no stage, and, one moment, I let go of her hand and ran in the direction of Gonzaga. My mother tried to catch me but I was faster. When I got to the man, he was very charismatic, she tells me, and he said not to worry over the boy’s audacity and carried me in his arms for a while. It is a story I hold dearly.

Prestes Filho: Name four composers that were fundamental to your development. Name composers in Brazil and the word whose work you follow. Also, name some works that you find of integral relevance to your development.

Rodrigo Lima: Chronologically thinking, I would say not only composers, but bands, musicians and records were essential. In the beginning, for example, I would live in second-hand book stores building my Brazilian Popular Music, jazz and classical music collection. During this time, I listened to a lot of Quinteto Violado, Cama de Gato (carioca instrumental music group), the “Yes Album”, Chick Corea and many others. And, of course, the 12 years as a gig musician were fundamental. All that helped solidify my education. Now, thinking of composers, I would say that two were decisive in my awakening as a composer. Hermeto Pascoal and his striking A Música Livre record, with that orchestral version of Bebê and the noisy experiment of Sereiarei. The other would be Tom Jobim, whose two records, Matita Perê and Urubu, were vital. Here a new perspective opened up, encouraging me to make the decision of dropping out of school for two years to work with ball bands and as a side musician to save money to buy my own piano. Along with the piano came Thelonious Monk, Debussy, Stravinsky, Bartók, Schoenberg, Estércio Marquez Cunha (my first composition teacher), Villa-Lobos, Edgard Varèse, Claudio Santoro, Luciano Berio, Almeida Prado, Gyorgy Ligeti and many others who would be to many to say here. On composers whose work I have been following, I’ll name them knowing many will be missing, for example, Eli-Eri Moura, Proxy Gentil-Nunes, Marisa Rezende, Silvio Ferraz, Antonio Carlos Borges Cunha, Tatiana Catanzaro, Sergio Kafejian, Valéria Bonafé, Jorge Antunes, Henry Crowl, Alexandre Ficagna, Flo Menezes, Marcílio Onofre, Roberto Victorio, Maurício De Bonis, Tiago Gati, Alexandre Lunsqui, Sergio Rodrigo, Rodolfo Valente, Leonardo Martinelli, André Damião, Denise Garcia, Paulo Rios Filho, well, Brazil has an enormous output, it’s too many people, they won’t fit here. Of foreigners, I would name the French Yan Maresz, the Chilean Miguel Farias, the Colombian Pedro Garcia Velásquez, the Spanish José Manoel López López and the Japanese Dai Fujikura. On works, I’ll name five that had a transforming role on my perception of music making. Josquin des Prez’s mass Pange Lingua, Bach’s The Art of the Fugue, Schoenberg’s op.16 third piece Farben, Edgard Varèse’s Intégrales and our very own Villa-Lobos’ Erosão. I would also include to this list a recent passion, the book “A Festa da Jaguatirica: uma partitura crítico-interpretativa da música dos Kamaiurá e do Alto Xingu'' from anthropologist Rafael Menezes Bastos.

Prestes Filho: Which movements of Classical Contemporary Music have you been closely following? As a teacher, would you say that Contemporary Classical Music already holds the place it should in music universities and conservatoires?

Rodrigo Lima: I have not been following any specific movement, but I’ll mention an initiative I consider important, the Sonora: Música e Feminismos. It is a collaborative network that gathers female artists and researchers of female manifestations in the context of arts. This network promotes actions and critical debates on subjects that aim to enlarge the participation and visibility of women in music. It is a current theme and must be addressed. Historically, contemporary music and its composers have always had some presence in conservatoires and, more recently, in universities. If we make a survey, we will see that a good part of active composers in the field, in their majority, branch into some teaching or research activity in Brazilian universities. It is not so different in Europe. It is an important space, but I believe it is necessary that new spaces beyond the university and conservatoire niche are created, so as to create dialogue with other areas such as dance and visual arts. I believe that is a way to reach and create a fresher and wider audience. As a teacher in a music school, I believe we still have to join efforts to give the student a more natural approach to new musical practices and languages from our time. There have been many advances, but there are gaps as well. For example, it is very common to have musicians who have graduated having contact only with a repertoire that goes up to Debussy at the most and with little knowledge of the oeuvre of Brazilian and foreign composers of the XX and XXI centuries. All that without even touching the fact that we have almost no music of African descent in our curricula. Those are distortions that must be corrected in light of an education that effectively brings the questions of contemporary artistic thinking and making to light.

Prestes Filho: Your work Sol a Pino holds direct relation to your reading of Kaká Werá’s A Terra dos Mil Povos. A book from which you quoted: “Every word has a spirit. A name is a soul given a seat. It is life chanted.” What is the influence of words in your act of composition? What have been the “words” in the aforementioned work? In which works have you done something similar? For example, words are fundamental in Txury-ò.

Rodrigo Lima: A “word” may sound within us as an affect, a stimulus that puts imagination in motion. Or, as Werá says in his book: “life is spirit in motion. Spirit, for a Native Brazilian, is silence and sound.” There are many “spirits” or “words” in Sol a Pino, in it we hear rock, body, rain, birds and people. But we also hear an almost permanent state of tension that manifests itself through rhythmic and harmonic structure that resists the storm of the musical fabric throughout the music. Sol a Pino is the tropic solstice that exposes us to high temperatures, the zenith of noon in which man has no longer a shadow. In Txury-ò’s case, the stimulus was the Karajá people’s cosmovision. Their cosmology talks about the existence of three worlds: the underwater world of the ancestors that live in the Araguaia river, the everyday life of tribes and their rituals, dances and chants, and, finally, the world of spirits, the heavenly world. It is not a descriptive music, far from it, it is a meeting between the universe of contemporary creation and the suggested imagery for each one of these worlds. The word “Txury-ò” in Karajá means “way through which the sun goes” and it is made part of the work as an evocation, speech and singing become a “sound entity” that manifests itself periodically within the piece. In the work of the incredible researcher Maria Luiza Crespo Dantas Lima, she explains: “ the Karajá individual, making himself present in the world, evokes a movement of going and coming back in time, that contextualizes itself in the body itself, in the relationship with the other (natural and supernatural). This repetition of time, in a “back and forth” movement, produces a link with the present, on the one side, with the past and future, on the other.” That way, I started thinking of Txury-ò as a merging of temporal fluxes that are rebuilt at every moment in a sort of ritualistic cycle.

Prestes Filho: In September 2021 you will take part in the 28th National Piano Contest “Professor Abrão Calil Neto”, which will take place in Ituiutaba, Minas Gerais. You have written 14 new works for this event, seven for solo piano and seven for piano four hands. How important is this event in your trajectory? How is the piano part of your life? Do we have a reflection of the teenage Rodrigo Lima, a drummer in love with Tom Jobim, with the group Quinteto Violado and with Hermeto Pascoal?

Rodrigo Lima: The Ituiutaba contest has an over 30 years’ tradition, in which contemporary music has always been part, in every edition there has been an homage to a composer who writes various works for different categories. It is an extraordinary endeavour, because it allows the young musician to have contact with the new musical languages of our time and with the Brazilian output from a very young age. This year I have the pleasure of being the honoured composer and of being able to give my modest contribution to the contest’s history. Creating these 14 pieces for different age groups has been both enjoyable and challenging, it has allowed me to take a trip down memory lane in regards to the piano, which coincides with my interest in composition. I started my journey in music as a drummer and symphonic percussionist, but my interest for harmony brought me closer to the piano, definitely. In the beginning I was self-taught, then worked with the composer Estércio Marquez Cunha and at the University of Brasília studied with the pianist Jaci Toffano during my bachelor’s in composition. That is why I believe that the pieces I have written for the contest will somehow reverberate all this listening background. For example, Four Rhythmic Games for piano four hands bring various reinterpretations of rhythms that closely connect to my over 12 years’ life as a professional drummer. A lot from this world has been translated not only to the piano language, but to other groups within my work.

Prestes Filho: You, in a certain moment during your education, bring music the biology term “autopoiesis”. Can we say that you abandon an analytical approach and move on to an observation of the interaction between a specific sound, of a certain harmony? Do you work starting from the very elements of a specific sound, a specific harmony? Do you aim to build a specific language based on the relationships and functions that happen within a closed system?

Rodrigo Lima: I wouldn’t say abandoning an analytical approach, but deepening it in the sense of trying to establish new harmonies for the process. The idea of having a harmony matrix was for a long while a constant concern. Having the harmonic color previously thought is like preparing the paints and mixes before painting. This prior relationship with harmony comes from an unpretentious reading of Chilean biologists Humberto Maturana’s, who, by the way,  passed away this month, and Francisco Valera’s theories on the idea of autopoiesis. Autopoiesis “refers to one’s continuous production of oneself by life”. It is, in the biological sense, the capacity of perpetuating themselves through chemical activity and movement of molecules that organic beings, these autopoietic entities, possess. That is, a self-sustaining and self-regenerating organism in a perpetual metabolism. It is from this “autopoiesis” premise that I started to think of the possibility of establishing ramifications to a given harmonic material throughout a musical work. That way, my search went down a path of speculating other ways of thinking about the harmonic structure throughout a piece than creating my own language. This speculation led me to write my master’s dissertation at the Unicamp Institute of Arts under tutelage of the composer Silvio Ferraz.

Prestes Filho: How does the process you call “creation stimulus” happen? When does a spark give light to a sound ideia?

Rodrigo Lima: I always say that composing is an act of discovery. The stimulus you have mentioned must be triggered and this trigger may come in various ways, watching a concert, reading poetry, improvising at the piano or listening to my partner Luisa Aguillar, who is a lyrical singer, singing at home. All that can trigger the spark. It is as though I was looking for the ideal clay from which to sculpt. Once it is defined, I move on to the step which I usually call emotional bond with the material - here a process of analysis, modelling and experimentation with sound takes place, in order to perceive its powers and weaknesses. There is a constant need of interpreting the materials within the process, because there is an intrinsic natural force in them, an unmeasurable plasticity, that is the way I see it. One of the roles of the composer is unveiling that through music. Paul Klee says something very beautiful in this regard: “Art does not exist to produce the visible, but to make visible that which is beyond.” When writing music, I notice that this “making visible” is proportional to the degree of immersion we have in the process and everything that involves its craft.

Prestes Filho: The space for Contemporary Music in Brazil has been dwindling. There are few  sponsors from the private initiative and public policies are ever more limited. What are the perspectives for the following years?

Rodrigo Lima: The perspective is of a lot of struggle. The current scenario is disheartening not only for Contemporary Music, but to the whole of the artistic class. Notwithstanding the pandemic that has been thoroughly neglected by the federal government and has stopped the cultural sector, we are also living in a dreadful dystopia in Brazil. Culture and artists have been harassed by a defamatory campaign by backwards sectors that see us as a nuisance for the country. We know it to be the opposite, culture plays a determining role in the development and creation of a people’s national identity. Besides that, the cultural sector creates income and jobs, not only for the artist, but for the sound technician, the lighting technician, transport, the popcorn seller, etc. It is a major economic sector. What this negative campaign has in mind is to stifle the cultural sector, in view of the cut of R$36 million in five areas of the Secretariat of Culture. Which public policies can survive that? Institutions such as Funarte, for example, lose substantially their capacity for artistic production diffusion. It is a bleak scenario, but we must resist because this obscurantism will pass us by and we will need a lot of creativity to first rebuild many things and then move on.

Prestes Filho: The Brazilian Music Academy (ABM) plays an important role in the diffusion and gathering of Brazilian composers. Do you believe a composer should take part in associations and unions in order to steer social demands and partake actively in popular struggles?

Rodrigo Lima: Popular struggles are ours too, a more just and fraternal society is better for everyone. A disorganized class, without representation and engagement with the daily presented demands, is a class left to its own devices and easily manipulated. Let’s remind ourselves of the rights the working class has amassed up to today, change in work hours, right to vote, right to vacation, human rights etc. All that has been achieved by an organized class and a lot of fighting, sweat and blood. The problem is that there is still this idea in Brazil that politics are left to the party side of things. Politics is the art of organizing and if a class wishes to make their demands met, they need to organize.

Prestes Filho: Your work Lacrimosa Campesina, dedicated to the rural workers’ struggle, was sung a capella. Besides a strong political standing in support of those who fight for the right to work the land, does this work bring with it your parents’ origins, who were both born in rural Sergipe? Your worries with social affairs is, once again, related to autopoiesis, a theory that is also applied to social sciences and philosophy. Autopoiesis is a theoretical milestone for Fundamental Rights.

Rodrigo Lima: The fact that I am a son of a family with a strong origin in working the land sensitizes me even further to this conscientization in regards to historical distortions in Brazil. But, in this case, I don’t see it as a retrieval of my parents’ origins, those are within me already, I see it as a need of taking a stand on such a brutal political happening. In 2018 I had contact with an appalling report of the Land Pastoral Commission (CPT), that denounced 60 murders that happened in rural conflicts between 2016 and 2017. No one has to be highly politicized to notice that there is something very wrong in this country when it comes to rights to land, and that’s not something new. Lacrimosa Campesina comes from this indignation, it is music in memory of those who have lost their life fighting for a basic right, the right of having some land to live with some sort of dignity. Now, on autopoiesis, I admit I didn’t know of its application in social sciences, that is new for me, I’ll look into it, that’s very interesting.

Prestes Filho: Which Brazilian orchestras do you admire as a composer? Which conductors have close contact with your work?

Rodrigo Lima: There are good orchestras in Brazil, especially in the big urban centers like São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Goiânia and Porto Alegre. There has been recently a major initiative from the Brazialian Symphonic Orchestra to include 20 commissions from Brazilian composers in its program, something extremely rare, an example that could be replicated throughout the country, even when taken into account that contemporary music is flagrantly discredited in professional orchestra programs in Brazil. On conductors, I believe the French Guillaume Bourgogne is the one with whom I have worked the most. I had the pleasure of working with him at premieres in Europe at the 17th World Saxophone Congress & Festival 2015 in Strasbourg, France, and in Brazil in concerts and recordings of my works for two Camerata Aberta records. I would also name the Spanish Luis Aguirre that premiered and recorded my work Matizes for flute and ensemble with Sonor Ensemble during the XVII Premio Jóvenes Compositores 2006 in Madrid, Spain. I would also add to that list the conductors José Luis Castillo (Spain), Cesário Costa (Portugal), Osman Gioia (Brazil), Tiago Pinheiro, the conductor for the State Youth Choir, and the English Kirk Trevor, that, in 2007, premiered my work Nomos with the University of São Paulo Symphony Orchestra. I could also not forget to mention the conductor Claudio Cruz. In 2019 I was granted the satisfaction of working with him at the premier of Sol a Pino with the São Paulo State Youth Orchestra. The result of the collaboration with the conductor was marvellous. It is very gratifying to share the liveliness and eagerness of youth orchestras, they are open minded and curious. On the other hand, there is still much to do when it comes to composers in professional orchestras’ programs. There are very few conductors in Brazil that dedicate themselves to the Brazilian contemporary repertoire, we have a significant production from north to south of the country, but it is unfortunately silenced, it does not reach the mainstream public, it is a very serious structural problem that needs to be solved.

Prestes Filho: As a teacher, would you agree that there is a new generation of composers arising in Brazil? Who are they? Among them, are there students of yours?

Rodrigo Lima: What calls my attention in this generation is their plurality and search for dialogue with areas beyond music, such as poetry, dance, theater, visual arts etc. In my opinion, it is pointing towards a greater interdisciplinarity in the creative process, but, anyways, it is already a fresher production that moves beyond the canon of concert music. For example, in EMESP, where I am a composition teacher, we have have created a composition collective of students and teachers called Coletivo Capim Novo, that strives for this sort of dialogue and from where some composers like Gustavo Bonin, João Batista de Brito, Eduardo Frigatti, Marcelo Politano, Rossano Snel have come, and the collective itself has a life of its own. I would also name the Baiano Natan Ourives, the Goiano Luiz Gonçalves and the Paulista Gabriel Xavier, Juliana Rodrigues, Luisa Gouveia, who also works with theater, Yugo Sano Mani, Dennis Gomez, Gabriel Duarte and Wellington Gonçalves.

LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – CEO of Catetear On-Line; Filmmaker, graduated in Documentary Film Direction for Television and Cinema by the State Film Institute of the Soviet Union (1978/1983); Specialist in Cultural Economics and Local Economic Development. He coordinated studies on the Culture Sector’s contribution to the State of Rio de Janeiro’s GDP (2002) and on the Economy of Music productive networks (2005) and Carnival (2009); he is the author of books “The Greatest Show on Earth – 30 years of the Sambódromo” (2015) and “The Theory of Probabilities in Gambling, Science and in Public Policies” (2017).

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